Por Carolina Cunha
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXVI, determina que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória.
A legislação processual, a fim de satisfazer esse princípio dispõe, em seu artigo 310, § único, que será concedida a liberdade provisória sempre que não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão temporária. No entanto, algumas leis especiais preveem casos nos quais, em razão da natureza do delito, a concessão de liberdade provisória é expressamente proibida.
Dentre os casos em que é vedada a concessão de liberdade provisória, destaca-se: o crime organizado (artigo 7º, da lei 9.034/95); a Lavagem de Dinheiro (art. 3º, da lei 9613/98) e o Tráfico de Drogas (art. 44, da Lei 11343/06).
Há também previsão legal que veda a concessão de liberdade provisória para os crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03). No entanto, em relação a esses delitos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 3112 entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 21, por entendê-lo ferir princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Em relação aos crimes previstos na Lei 11343/06 – Lei de Drogas – há polêmica doutrinária e jurisprudencial quanto à vedação, ou não, da concessão de liberdade provisória.
A controvérsia teve início no texto original da Lei 8072/90 – Crimes hediondos – que previa serem insuscetíveis de liberdade provisória o tráfico ilícito de drogas (artigo 2º, inciso II).
Essa vedação foi reforçada pela Lei 11343/06, pela previsão do artigo 44.
Não obstante, em março de 2007 a Lei 11.464/07 operou alterações na Lei dos Crimes Hediondos, excluindo do artigo 2º o inciso II, que vedava a concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados e, assim, autorizando dita concessão, sem, contudo modificar a previsão da Lei 11343/06 que a proíbe.
Assim, instaurou-se a polêmica, ante ao conflito de leis: uma que permite a concessão da liberdade provisória, e outra que proíbe.
Utilizando-se o Princípio da Especialidade é de se compreender que para o tráfico de drogas permanece a vedação quanto à concessão de liberdade provisória, até porque a revogação pela Lei 11464/07 deu-se frente a Lei 8072/90, sem fazer qualquer menção a Lei 11343/06.
Mesmo assim, adotando critérios de política criminal, aliados ao Princípio da Posterioridade, poder-se-ia compreender revogada a disposição da Lei 11343/06 por ser mais antiga e, assim, permitir-se a concessão de liberdade provisória aos presos por crime de tráfico.
Essa conduta seria uma opção de tratamento equânime: se aos crimes hediondos, se permite a liberdade provisória, o tráfico, que é equiparado à hediondo, também é comportamento merecedor de tal benefício.
O STJ manifestou-se sobre o tema, entendendo pela prevalência do princípio da especialidade, conforme se depreende na ementa colacionada:
"Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da nova lei de tóxicos "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos" (art. 44 da Lei nº 11.343/06). Embora tenha a lei 11.464/07 suprimido do texto legal do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90 a vedação à concessão de liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos e equiparados, remanesce a proibição tendo em vista a especialidade da nova lei de tóxicos. Além do mais, o art. 5º, inciso XLIII, da Carta Magna, proibindo a concessão de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida. Nessa linha os seguintes precedentes do Pretório Excelso (AgReg no HC 85711-6/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86814-2/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 86703-1/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 89183-7/MS, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86118-1/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Cezar Peluso; HC 79386-0/AP, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa; HC 83468-0/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 82695-4/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso). Denego, pois, a liminar. Solicitem-se informações ao e. Tribunal a quo. Após, vista ao MPF. P. e I. Brasília (DF), 16 de abril de 2007. MINISTRO FELIX FISCHER. Relator."
No entanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça não serviu para pacificar o tema eis que doutrina e jurisprudências têm defendido a ideia de que o conflito seja resolvido a partir do Princípio da Posterioridade e, por isso mesmo, estaria autorizada a concessão de liberdade provisória ao crime de tráfico de drogas, conforme evidencia a ementa de julgado abaixo:
"Processo penal – Constitucional – Habeas Corpus – Tráfico de Drogas – Prisão em flagrante – Liberdade provisória – gravidade abstrata do crime – inviabilidade – vedação legal – insuficiência – necessidade de demonstração da indispensabilidade da medida constritiva com base em fatores concretos – precedentes desta turma – Ordem Concedida.
A gravidade abstrata do delito atribuído ao paciente é insuficiente para a manutenção de sua custódia provisória A decisão que indefere o pedido de liberdade provisória do paciente deve ser devidamente fundamentada com dados objetivos do processo, sob pena de lhe causar ilegal constrangimento. A Lei 11.464/2007, ao suprimir do artigo 2º, II da Lei 8.072/1990 a vedação à liberdade provisória nos crimes hediondos, adequou a lei infraconstitucional ao texto da Carta Política de 1988, sendo inadmissível a manutenção do acusado no cárcere quando não demonstrados os requisitos autorizadores de sua prisão preventiva.
Precedentes desta 6ª Turma. Ordem concedida. (HC 93.149/MG, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 25.02.2008, DJ 10.03.2008 p. 1)".
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