DECISÃO:
HC 105788
HC 105788
Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Igor André Arenas Conde Menechelli em favor de Samuel Milazzotto Ferreira, buscando a transferência do paciente para prisão domiciliar, sob o argumento de que não existe Sala de Estado Maior no Estado de Minas Gerais.
Aponta como autoridades coatoras o Ministro Haroldo Rodrigues, do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a medida liminar no HC nº 180.126/MG, impetrado àquela Corte, e, ainda, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Varginha/MG.
Inicialmente, argumenta o impetrante que o caso concreto autoriza o afastamento do enunciado da Súmula nº 691 desta Suprema Corte (fls. 5 a 8 da inicial).
No mais, sustenta, basicamente, o constrangimento ilegal imposto ao paciente, tendo em vista a ilegalidade da sua manutenção, advogado regularmente inscrito perante a Ordem dos Advogados do Brasil, em prisão comum por força de decisão de custódia preventiva imposta na ação penal instaurada pela prática do crime de homicídio qualificado, ameaça, tentativa de sequestro e lesão corporal. Destaca haver solicitado e obtido ordem de transferência do paciente pela MM. Juíza Corregedora do Presídio de Três Corações/MG, o que, entretanto, veio a ser revogado por decisão do Magistrado da Vara Criminal de Varginha/MG, mediante as seguintes considerações:
“(...)
Por meio desta acusamos seu ofício onde determina a imediata transferência do acusado SAMUEL MILAZZOTTO FERREIRA para a Unidade Prisional de Varginha.
Não pretendemos adentrar ao mérito dos motivos; entretanto, não há como aceitarmos a decisão de V Exa., por duplo motivo: a) – não temos local para abrigar o acusado, posto que advogado e ainda tem direito a sala especial. b) – A unidade prisional em Três Corações trata-se da PENITENCIÁRIA REGIONAL, de forma competente para abrigar acusados em situação especial, assim como, concessa vênia, presos provisórios ou definitivos de outras Comarcas, já que foi instalada para atender não somente presos da Comarca de Três Corações mas de toda região.
Assim sendo, sem ter qualquer intenção de afrontar V. Exa., vimos comunicar que não há como atender a determinação proferida, de forma que demos contra-ordem ao diretor do Presídio de Varginha para não receber o acusado em comento. ” (fls. 8/9 da inicial - grifos no original).
Requer, liminarmente, a concessão da ordem para garantir ao paciente sua transferência para a prisão domiciliar, sob o argumento de que não existe Sala de Estado Maior no Estado de Minas Gerais e, no mérito, pede a sua confirmação (fl. 27 da inicial).
Examinados os autos, decido.
Narra o impetrante, na inicial, que, negada a transferência do paciente para a prisão especial a que faz jus em decorrência de sua condição profissional, impetrou perante o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais competente pedido de habeas corpus, que foi liminarmente indeferido pelo Relator sorteado.
Interposto agravo regimental contra essa decisão, foi o mesmo desprovido, com ementa do seguinte teor:
“AGRAVO REGIMENTAL - INDEFERIMENTO DA INICIAL EM HABEAS CORPUS - SILÊNCIO REGIMENTAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RISTF - POSSIBILIDADE. Conquanto não haja previsão de agravo regimental da decisão que indeferiu a inicial de habeas corpus em matéria criminal, silente que é o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, aplicável o art. 317, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal por força do art. 499 do Regimento deste Tribunal, que não traz limitação material para o conhecimento do agravo e indica prazo de cinco dias para a interposição do recurso. PRETENSA SUBMISSÃO DA DECISÃO DO RELATOR AO COLEGIADO - INEXIGIBILIDADE. O indeferimento da inicial pelo Relator sorteado submetendo-se ao agravo regimental, não sendo possível aplicar a determinação do art. 664 do Código de Processo Penal, que é restrita aos processos de competência originária em função da celeridade, quando partida dos órgãos delimitados pelo art. 661 do mesmo diploma legal, já que nenhum deles teria competência para a própria decisão indeferitória que deve ser contestada pelo Juízo Competente. PRISÃO DE ADVOGADO - ATO REALIZADO FORA DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL - PRETENSA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - IMPOSSIBILIDADE - LESÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. A prisão a que se refere o art. 7º, V, Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil só alcança as ações penais cometidas no exercício da Advocacia, não se estendendo aos crimes comuns e que não tenham sido cometidos no exercício do âmbito estrito profissional, de modo que a pretensão de prisão domiciliar ou sala de estado maior, não se compreende dentro da garantia individual da só condição de Advogado, mesmo porque o que se protege é o exercício do múnus público da advocacia e não o próprio indivíduo que o exerce. Como a segregação não deriva da atividade profissional aplicável à hipótese o art. 295 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei Federal 10.258/01 sob pena de lesão ao princípio da isonomia. Recurso não provido”
Submetida a questão ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, mediante impetração de novo writ, a medida liminar foi indeferida pelo Ministro Haroldo Rodrigues, nos termos seguintes:
“Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Samuel Milazzotto Ferreira, denunciado por homicídio qualificado, ameaça, tentativa de seqüestro e lesão corporal, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no qual se busca a prisão domiciliar do paciente por falta de sala de estado maior.
A liminar, na via eleita, não tem previsão legal, sendo criação da jurisprudência para casos em que a urgência, necessidade e relevância da medida se mostrem evidenciadas de forma indiscutível na própria impetração e nos elementos de prova que a acompanham.
No caso, o constrangimento não se mostra com a nitidez imprimida na inicial, estando a exigir um exame mais detalhado dos elementos de convicção carreados aos autos, o que ocorrerá por ocasião do julgamento definitivo.
Ante o exposto, indefiro a liminar.
Solicitem-se informações ao Tribunal de origem e ao Juiz de primeiro grau, abrindo-se, após, vista ao Ministério Público Federal.”
De início, ressalto que esta impetração não deve ser conhecida quanto ao Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Varginha/MG e ao Tribunal de Justiça estadual, também apontados com autoridades coatoras.
Esta Suprema Corte não é competente para processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de Juiz de Primeiro Grau e nem de Tribunal de Justiça estadual, não tendo o paciente, no caso presente, foro privilegiado nesta Corte para efeito de ações penais por crimes comuns ou de responsabilidade (art. 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição Federal).
Quanto ao praticado pelo Superior Tribunal de Justiça, anoto tratar-se de decisão indeferitória de liminar, devendo incidir, na espécie, a Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
É certo que a jurisprudência desta Suprema Corte tem acolhido o abrandamento da referida súmula para admitir a impetração de habeas corpus se os autos demonstrarem ser hipótese de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia.
Na hipótese vertente, verifica-se, de forma evidenciada, situação de flagrante ilegalidade apta a ensejar o afastamento, excepcional, da Súmula nº 691 desta Suprema Corte.
Inicialmente verifico que, de acordo com ofício da Subsecretaria de Administração Prisional – Presídio de Varginha -, noticia-se a inexistência de cela especial naquela unidade prisional (anexo de instrução nº 7).
Ademais, a pretensão do impetrante, neste primeiro exame, encontra respaldo jurídico na jurisprudência da Corte, preconizada no sentido de que é garantia dos advogados, enquanto não transitada em julgado a decisão condenatória, a permanência em estabelecimento que possua Sala de Estado Maior e, na sua ausência, o recolhimento em prisão domiciliar.
Nesse sentido o HC nº 96.539/SP, da 1ª Turma, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (DJe de 7/5/10), com a seguinte ementa:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691 DO STF. SUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. PRISÃO CAUTELAR. ADVOGADO. ESTATUTO DA ADVOCACIA. ART. 7, V, DA LEI 8.906/94. SALA DE ESTADO MAIOR. INEXISTÊNCIA. PRISÃO DOMICILIAR. GARANTIA. ORDEM CONCEDIDA. I - É garantia dos advogados, enquanto não transitada em julgado a decisão condenatória, a permanência em estabelecimento que possua Sala de Estado Maior. II - Inexistindo Sala de Estado Maior na localidade, garante-se ao advogado seu recolhimento em prisão domiciliar. III - Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. IV - Ordem concedida”
Igual orientação se dessume da decisão do Plenário desta Corte na Reclamação nº 5.212/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia (DJe de 30/5/08):
“RECLAMAÇÃO. ADVOGADO. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DE RECOLHIMENTO EM SALA DE ESTADO MAIOR. AFRONTA AO DECIDIDO NO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.127. 1. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127, este Supremo Tribunal reconheceu a constitucionalidade do art. 7º, inc. V, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), declarando, apenas, a inconstitucionalidade da expressão "assim reconhecidas pela OAB". 2. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que há de ser deferida a prisão domiciliar aos advogados onde não exista na localidade sala com as características daquela prevista no art. 7º, inc. V, da Lei n. 8.906/94, enquanto não transitada em julgado a sentença penal condenatória. Precedentes. 3. Reclamação julgada procedente.”
Com essas considerações, entendendo demonstrados, satisfatoriamente, os requisitos legais ensejadores à superação do enunciado da Súmula nº 691 desta Suprema Corte, defiro, parcialmente, a liminar pleiteada, ordenando a transferência do paciente a estabelecimento dotado de Sala de Estado Maior, no prazo de 48 (quarenta e oito horas) a contar da intimação desta decisão, e, na impossibilidade de seu cumprimento no prazo assinalado, a colocação provisória do paciente em prisão domiciliar.
Comunique-se, com urgência, solicitando informações à autoridade apontada como coatora, bem assim informações ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Varginha/MG, sobre o quanto alegado.
Publique-se.
Brasília, 13 de outubro de 2010.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
2 comentários:
advogados com este conhecimento jurídico que estamos precisando no pais, que defendem aqueles que são usurpados de seus direitos....Parabéns...
bom dia Dra. Ana Claudia;
so uma pequena correçao, o advogado que figura com réu nao é mineiro, mas sim Paulista.
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