Por Luiz Matias Flach*
*Advogado, ex-presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) e ex-secretário nacional de Entorpecentes
É de se esperar que a precipitação de Pedro Abramovay, ao propor, antes de ser empossado na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, agora no âmbito do Ministério da Justiça, desde logo, tratamento penal abrandado para os pequenos traficantes, não seja impedimento para a necessária avaliação de tema, sério e atual, embora controverso. Descurou o quase secretário em combinar a questão com a presidenta da República e o ministro da Justiça, providência indispensável em matéria de repercussão e pluralidade de ideias. Foi desautorizado pelo ministro da Justiça e, em seguimento, afastou-se (ou foi afastado) do governo.
É certo que as questões importantes sobre as políticas de drogas e as tentativas de melhor tratamento defrontam-se, tantas vezes, com reiterada inércia de muitos, reações ideológicas e passionalismos. Não estão muito claras, até o momento, e sequer compreendi no período anterior à eleição, quais são as prioridades a serem perseguidas, na matéria, pelo novo governo. Quem inicia a gestão na secretaria, de toda forma, precisa comprometer-se com melhorias, mas com necessária cautela, debate e persuasão na busca desses aperfeiçoamentos, sob pena de prematura desautorização, como aconteceu com o quase secretário.
Mas o assunto merece continuidade. Através de Zero Hora manifestei que a vigente Lei nº 11.343, de 28 de agosto de 2006, como já fizeram as anteriores legislações, tratava com o mesmo rigor as atividades de traficantes profissionais, organizados e com grande mercancia a de garotos, trocadores de baganas, mulheres das beiradas dos cortiços e favelas, “mulas” que fazem o transporte de drogas para os traficantes e ficam expostas à repressão, ou dependentes que vendem drogas para assegurar o seu uso pessoal. Pela lei, indiscriminadamente, estão, todos, sujeitados de cinco a 15 anos de reclusão, com penas aumentadas caso exista alguma das muitas majorantes previstas na legislação (“A nova lei de drogas”, ZH de 29 de agosto de 2006; “Drogas e mitos”, ZH de 30 de agosto de 2009).
Têm razão os que apontam que esses pequenos traficantes constituem a maioria de nossos reclusos por infrações a lei de drogas, em situação de injustiça, até considerando serem insuficientemente alcançados pela Justiça Penal os patamares mais elevados do tráfico e delitos conexos.
E nem se pense que seja nova a questão. No 1º Seminário Sul-Rio-Grandense sobre Drogas e Toxicomanias, realizado pelo Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado, em agosto de 1986, na Assembleia Legislativa, em memorável conferência, ensinou o saudoso desembargador, professor e jurista Ladislau Fernando Rohnelt: “Na ânsia de prevenir-se a difusão da droga – que começa no tráfico –, o legislador perdeu o senso de justiça no momento em que não mais distinguiu entre o verdadeiro tráfico de entorpecentes e sua cessão ocasional. Dizem os especialistas que esse é o maior defeito da Lei nº 6.836, pois, na verdade, pune com reclusão de três a 15 anos, mais a multa, tanto o traficante internacional, perigoso, semeador do vício, quanto o garoto que num encontro de rua recebe do amigo uma ponta de cigarro de maconha” (Anais, p. 197).
Vale a pena prosseguir no debate em busca de melhor equidade e justiça. É justa, também, a expectativa sobre as políticas a serem adotadas pelo novo governo no complexo problema mundial das drogas.
Fonte: Jornal Zero Hora
Nenhum comentário:
Postar um comentário