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terça-feira, fevereiro 1

59 deputados federais que tomam posse são processados por crimes


Levantamento do G1 leva em conta ações penais em 61 tribunais.
Acusações mais recorrentes estão relacionadas à administração pública.

Ao menos 59 dos 513 deputados federais que tomam posse nesta terça-feira (1º) chegam à Câmara na condição de réus em ações penais, ou seja, respondem a processos nos quais são acusados de crimes, de acordo com levantamento realizado pelo G1 em 61 tribunais, entre eles o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).

É a segunda vez que o G1 faz um levantamento desse tipo. Em 2007, a pesquisa levantou 74 deputados processados ou investigados por crime (como os critérios usados na época foram diferentes, os números não são comparáveis; saiba as diferenças). O levantamento atual também faz parte de uma série que o G1 vem publicando desde sábado (29), com informações que traçam um perfil da nova Câmara dos Deputados (saiba mais).

Juntos, os 59 deputados do levantamento deste ano respondem a pelo menos 92 processos – em alguns casos, o deputado é acusado pelo Ministério Público por mais de um crime. A maioria das acusações se refere à administração pública, como crime contra a Lei de Licitações, peculato (quando o funcionário público se apropria de bens ou valores públicos) e corrupção. Há ainda casos de crime contra o sistema financeiro, crimes eleitorais e até crimes contra a pessoa, como homicídio e lesão corporal.

O desembargador Fernando Tourinho Neto, que atua no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e é vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), afirma que é preciso cautela para não condenar antecipadamente um cidadão que responde a processo judicial.

“Uma pessoa ser denunciada não quer dizer que praticou o fato. Isso vai para instrução, para ser apurado. Pode ser condenada, mas pode ser inocentada. A Constituição prevê a presunção de inocência, até que haja uma condenação transitada em julgado. A Constituição é para todos, o direito protege a todos nós”, afirma o magistrado.

Lei da Ficha Limpa

Em 2007, no primeiro levantamento feito pelo G1, a Lei da Ficha Limpa ainda estava em discussão. Ela só começou a ser aplicada para a eleição do ano passado, determinando a inelegibilidade de políticos condenados em decisão colegiada, seja em ação criminal ou cível.

Dos 59 deputados da nova Câmara processados por crime, 4 já foram condenados em decisões monocráticas, ou seja, de apenas um juiz, e estão recorrendo; quem deve analisar o caso a partir de agora é o Supremo.
Um deles foi condenado por decisão colegiada do próprio STF e chegou a ser barrado pela Lei da Ficha Limpa. No entanto, conseguiu uma liminar para ser diplomado.
O levantamento do G1 foi realizado entre novembro e janeiro em 61 tribunais: os 27 tribunais de Justiça nos estados e os 27 tribunais regionais eleitorais; os 5 tribunais regionais federais; e os 2 tribunais superiores, o STJ e o STF (clique para ver os critérios adotados pela reportagem). Não foram consultados tribunais militares e tribunais da Justiça do Trabalho.
Além dos deputados federais atualmente réus em ações, o G1 localizou outros 13 já denunciados pelo Ministério Público por crimes, mas não contabilizou esses casos porque a Justiça ainda não decidiu se aceita ou não a denúncia.
Além disso, outros 32 deputados são investigados em inquéritos que tramitam em tribunais consultados. Esses também não foram computados no levantamento do G1 porque, nesses casos, os parlamentares ainda não foram denunciados – a maioria desses inquéritos se encontra em fase de diligências policiais. Alguns deputados entre os 59 que são réus em ações penais também estão entre os investigados nesses inquéritos.


OAB

Para Ophir Cavalcante, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “impressiona” o número de deputados processados.

“Qualquer número desse tipo impressiona. São apurações feitas pelos ministérios públicos, que estão em processamento. Por isso que trabalhamos muito pela Lei da Ficha Limpa, para evitar que esse número fosse ainda maior. Temos que respeitar a presunção de inocência, mas queremos ser respeitados.”

Para o advogado e procurador da República aposentado Antonio Carlos Mendes, professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é natural que deputados respondam a um número elevado de processos. “O que existe é que essas pessoas estão muito expostas, e a conseqüência dessa exposição é que têm muito litígio.”

Foro privilegiado

O artigo 53 da Constituição Federal garante que deputados federais e senadores sejam julgados apenas no Supremo Tribunal Federal. Todos os processos contra os deputados federais empossados que tramitam em outros tribunais serão remetidos para o Supremo, mas não há prazo legal para a remessa.

De acordo com Maurício Correa, ministro aposentado do STF e ex-presidente da Corte (2003-2004), mesmo que o deputado seja réu atualmente, quando o processo “subir” para o Supremo, o procurador-geral da República precisa dar um novo parecer sobre a denúncia, e o plenário do tribunal é que decide se o parlamentar continua réu.

“Em função do foro dele ser privilegiado, a ação não é mais do juízo [tribunal] ao qual ele respondia. Se for ação civil, segue tramitando no juízo comum. Se for de natureza penal, ela vai pra o Supremo. Se a denúncia foi recebida no juízo comum, geralmente o Supremo aceita a mesma denúncia que foi feita, mas precisa passar pelo tribunal. De modo geral, o Supremo aceita a mesma denúncia. Confirmado o recebimento, ele continua réu”, explica o ex-presidente da Corte.

Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que o foro privilegiado é uma “excrescência” do ponto de vista da democracia.

“O foro privilegiado foi introduzido no ordenamento jurídico durante o regime militar, para defender os detentores do poder. É uma criação puramente desse regime. Depois que acabou o regime de endurecimento democrático, em vez de ser banido, foi ampliado para um sem número de autoridades, totalmente em desconformidade com o que acontece em outros países do mundo.”

Para o desembargador Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o foro favorece a prescrição [quando se esgota o prazo em que o réu pode ser condenado por um crime] também por conta do tempo que leva para os processos transitarem entre os tribunais.

“Isso é uma desgraça porque, [por exemplo], o sujeito não tem foro privilegiado [e] está respondendo a processo na primeira instância. [Aí], se elege deputado estadual e então o processo vai para o TJ ou o TRF, dependendo do fato. Demora para subir [o processo]. Nesse tempo, ele se elege deputado federal e vai para o Supremo. Isso tudo leva muito tempo e privilegia o sujeito porque atrasa o julgamento.”

Durante a consulta do G1, foram encontradas diversas ações penais e inquéritos que acabaram arquivados devido à prescrição do crime. Eram processos que, em alguns casos, tramitaram por mais de 15 anos sem uma solução final.

O promotor de Justiça de Santa Catarina Affonso Guizzo Neto, idealizador da campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, afirma que a própria legislação favorece a demora dos julgamentos.

 “Não é culpa do Judiciário. É culpa da sistemática processual. Hoje, o Código de Processo Penal, as leis criminais, dão grande possibilidade para aquele que tiver um bom advogado empurrar o processo com a barriga e vir a ocorrer a prescrição”, diz o promotor.O Senado aprovou no fim do ano passado um novo texto do Código de Processo Penal (CPP), legislação que determina o rito dos processos na esfera criminal. O projeto ainda passará por análise da Câmara dos Deputados.

Entre as mudanças previstas, está a limitação do número de recursos nos processos criminais; o fim da prisão especial para autoridades e para quem tem curso superior; e a determinação de dois juízes em cada processo, um para a fase de instrução, na qual são produzidas as provas, e outro para o julgamento do acusado.

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