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terça-feira, março 1

Sobre o pedido de prisão preventiva do atropelador dos ciclistas


As últimas notícias publicadas sobre o ‘caso do atropelamento dos ciclistas’ em Porto Alegre informam que o Ministério Público e, também, a autoridade policial, requereram a prisão preventiva do motorista. Mesmo sem saber sobre quais fundamentos se assentam os pedidos, eles não podem ser diversos daqueles previstos em lei: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou como medida assecuratória da aplicação da lei penal (vide artigo 312 do Código de Processo Penal).

A vagueza dos fundamentos – pelas expressões utilizadas na legislação – é objeto de grandes dificuldades interpretativas, especialmente para respaldar o despacho judicial que decreta a prisão preventiva.

A amplitude da expressão ‘garantia da ordem pública’ é, seguramente, um dos motivos pelos qual esse pressuposto tem sido bastante utilizado para fundar pedido de prisão. Não são poucos os autores que a rechaçam exatamente porque o seu conceito é notoriamente vago, prestando-se a um uso perigosamente alargado ou, de outra maneira, porque o objetivo da prisão preventiva não deve ser realizar a prevenção geral ou especial da violência ou da criminalidade, já que este objetivo é, na verdade, um dos fins do próprio processo principal (In: Machado, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal, 2009. p. 477).

A ideia de ‘garantia da ordem econômica’ foi acrescida ao dispositivo processual penal através da chamada Lei Antitruste, e compreende atitudes que limitem, falseiem ou de qualquer modo prejudiquem a livre concorrência ou a livre iniciativa, de modo a proporcionar domínio de mercado, aumento arbitrário de lucros.

Por outro lado, a ‘conveniência da instrução criminal’ está dirigida a impedir que o réu perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos ou, de todo o modo, evitando a ação da justiça.

Já a chamada ‘medida assecuratória da aplicação da lei penal’ é, talvez, o fundamento que mais bem se ajusta à natureza cautelar e instrumental da prisão preventiva. O interesse, nesta situação, é de assegurar a efetiva aplicação da lei penal, especialmente se há risco/perigo de fuga do acusado,  ou se o mesmo denota pelo seu comportamento que pretende de ausentar do chamado distrito da culpa, escapando, assim, da ação da justiça.

Pois embora o fato do atropelamento dos ciclistas esteja revestido de relevância penal, e tenha determinado verdadeira comoção social, não há razões para o decreto de prisão.

A medida privativa de liberdade é considerada de exceção, e só deve ser decretada ante a presença dos requisitos elencados na legislação processual penal. Enquanto a prisão preventiva estiver sob o abrigo das medidas cautelares de natureza instrumental e excepcional não poderá e nem deverá ser utilizada pelas instâncias formais como instrumento de punição antecipada. É necessário, por assim dizer, a demonstração de situação efetiva que justifique o sacrifício da liberdade individual em benefício do processo.

Daí porque é de afirmar-se que os requisitos do artigo 312 do CPP devem ter uma hermenêutica que não fuja das finalidades constitucionalmente legítimas da prisão processual, quais sejam, a proteção das fontes de prova, a aplicação da lei penal e o risco da reiteração delitiva.

Em qualquer dos pressupostos que tenha se assentado o pedido de prisão do motorista, pelo que indicam os noticiosos da imprensa, é possível e provável que ele não tenha êxito, seja pelo indeferimento imediato do juiz de primeiro grau ou, noutra hipótese, pela negação do Tribunal.
Aguardemos.

Um comentário:

Vinicius Duarte disse...

Muito embora eu não possua conhecimento jurídico à altura da Professora Ana Cláudia, acredito que o pedido de prisão preventiva tenha sido acatado para garantia da aplicação da lei penal, pois o comportamento do acusado após o fato (fugiu sem prestar socorro, abandonou o veículo e retirou as placas) demonstrou que, caso permanecesse em liberdade, haveria grande possibilidade de fuga. São inúmeros os casos de envolvidos em crimes de grande repercussão que não têm a prisão preventiva decretada e desaparecem. Recentemente, podemos citar o Dr. Roger Abdelmassih.

Andou bem o juiz que decretou a preventiva.