Presos por chacina realizada em
2011, policiais são suspeitos de tortura, extorsão e execuções
O flagelo das milícias está em gestação no Rio Grande do
Sul. Um embrião desses grupos paramilitares, integrado por policiais suspeitos
de tortura, extorsão e execuções, se formou em Alvorada. E quem assegura isso
não são inimigos desses milicianos, mas outros policiais, aqueles sobre os
quais recai a responsabilidade de esclarecer esses delitos.
Após seis meses de
investigações, os delegados Paulo Prado e Wagner Dalcin, da 1ª Delegacia da
Polícia Civil (a principal daquele município), acreditam que uma série de
assassinatos registrados nos últimos anos teria sido praticada por um grupo de
soldados do 24º Batalhão de Polícia Militar.
Os suspeitos são todos integrantes de um Pelotão de
Operações Especiais, uma espécie de unidade de elite usada em patrulhamentos de
risco. Pesam contra eles testemunhos contundentes, gravações de conversas e
contradições sobre seus álibis para o momento dos crimes, pinçadas do
rastreamento de seus telefonemas. Se condenados, podem pegar uma pena que varia
de 12 a 30 anos de prisão. Todos, segundo o delegado Prado, deverão ser
indiciados por homicídios qualificados.
Dos sete policiais que a Polícia Civil identificou, quatro
cumprem prisão temporária de 30 dias solicitada pela promotora Raquel Isotton e
decretada pelo juiz Roberto Coutinho Borba. Estão presos os irmãos Marcelo
Machado Maier, 35 anos, e Márcio Machado Maier, 32 anos (ambos soldados), e os
também soldados Charles Alexandre Ávila da Silva, 33 anos, e Fernando de Souza
e Silva, 24 anos. Os demais, dois homens e uma mulher cujos nomes não foram
divulgados, foram afastados do serviço.
As investigações apontam esses integrantes do POE do 24º BPM
como autores de uma chacina que resultou em quatro mortes, em 13 de julho de
2011, no bairro Salomé. Mas já surgiram indícios de que o grupo teria cometido
homicídios em fevereiro e maio do mesmo ano, uma outra chacina em agosto de
2008 e um assassinato em julho daquele ano. Seriam 10 execuções, todas em
Alvorada, em que os nomes dos policiais figuram como suspeitos — e outras duas
mortes recentes, na Rua Panamericana, podem incrementar essa lista macabra.
As primeiras pistas surgiram logo após a chacina de 2011.
Carentes de efetivo numa cidade que acumula recordes de homicídios, os
policiais civis de Alvorada ainda patinavam na investigação quando receberam um
bilhete em papel ofício, redigido em letra de forma, com a seguinte mensagem:
"Meus colegas no batalhão formaram um 'Esquadrão da Morte'. Ao invés de
prender, matam. Não concordo." A folha vinha acompanhada de listas de
nomes e telefones dos policiais suspeitos de crimes, além de apelidos de
pessoas a quem eles teriam atormentado. Via de regra, delinquentes e seus
familiares.
Os agentes da 1ª DP tomaram depoimentos de pessoas que
teriam sido ameaçadas e até torturadas. Uma delas assegurou que os assassinatos
não seriam apenas por ideologia e disse que os PMs teriam matado por encomenda
do traficante Marcos "Pé Podre", da facção criminosa Bala na Cara.
Com o relato dessas testemunhas na mão e a lista fornecida
pelo informante-policial, os investigadores conseguiram junto à juíza Carla De
Cesaro autorização para interceptar seus telefones. Numa conversa por celular
com um colega do POE, um dos soldados se queixa de não ter arranjado provas
contra um delinquente.
— Bah, derrubei aquela casa lá, mas não achei nada.
O colega diz para o policial insistir.
— Aborda o cara, diz que tem denúncia, que encontrou drogas
com ele.
Testemunhas falam que o "enxerto" de provas falsas
era um dos métodos dos PMs suspeitos. E as investigações concluíram que, em
meio aos planos de matar marginais, por vezes atingiam inocentes. É o caso da
chacina de 13 de julho de 2011. Um dos alvos era Luciano Mayer, 37 anos, com
antecedentes por assalto. O outro era Marcelo Berro, 25 anos, traficante. A
dupla foi fuzilada na saída de um bar. Acontece que junto a eles estavam dois
outros clientes do boteco, sem qualquer antecedente criminal: o pedreiro Celso
Santos da Silva, 45 anos, e o carpinteiro Marco Aurélio Costa Fraga, 37 anos.
Os dois foram assassinados também. Estavam no lugar errado, na hora errada,
morreram porque eram testemunhas, conclui o delegado Paulo Prado.
— O problema nesses grupos paramilitares é que começam
matando pela pretensa ideia de fazer justiça. Depois fazem por dinheiro. Falam
em limpeza social, mas são maus policiais — define o delegado.
Contraponto
O que diz Carlos Arquimedes, advogado dos PMs Marcelo Maier
e Márcio Maier
O defensor dos PMs afirma que nas 500 páginas do inquérito
"não há provas contundentes" contra seus clientes. Ele diz que não
teve acesso às gravações telefônicas e cogita que seus clientes são perseguidos
por terem protestado por melhorias salariais na BM. ZH não localizou os
advogados dos outros policiais presos.
Aqui e no Rio
As investigações indicam que os métodos do grupo desbaratado
em Alvorada se assemelham aos das milícias cariocas, as mais notórias do
Brasil. Os policiais militares estariam cobrando de comerciantes para fazer a
segurança nas horas de folga, o chamado "bico". A Corregedoria da BM
investiga se faziam isso também dentro do horário de serviço, usando os
veículos e as armas da corporação.
— Eram pagos para manter as cercanias do comércio livres de
vagabundos — sintetiza o delegado Prado.
A Polícia Civil afirma que os PMs teriam também acertado,
com pelo menos um comerciante, a morte de seus desafetos. É o que teria
ocorrido no caso das quatro mortes da chacina de 2011 no bairro Salomé. O dono
de um bar teve o carro incendiado pelo assaltante Luciano Mayer e por isso
teria encomendado a morte aos policiais.
Os PMs teriam simulado uma revista no estabelecimento na
qual, inclusive, prenderam o dono do bar por posse ilegal de arma. Eles saíram
e teriam retornado, minutos depois, mascarados, para executar Mayer e outro
criminoso que ali estavam — matando também outros dois, inocentes, por engano.
O comerciante foi preso por suposto envolvimento na chacina, como cúmplice, mas
já foi libertado.
A diferença do grupo de Alvorada em relação às milícias
cariocas, mais do que de metodologia, seria de intensidade. No Rio, os
milicianos começaram expulsando e matando traficantes. Em pouco tempo, eles se
tornaram comerciantes: monopolizam a venda de internet e sinal de TV
pirateados, cobram propina de entregadores de gás e montam serviços de
telentrega ou transporte clandestino. Operam, em suma, como uma máfia, algo que
ainda não ocorre no Rio Grande do Sul.
O tenente-coronel Jairo de Oliveira Martins, da Corregedoria
da BM, considera que os atos do policias do POE de Alvorada são isolados e
ressalta que não existe histórico similar em outras partes do Estado.
Quando o alvo fala
Antes de morrer na emboscada do bairro Salomé, Luciano Mayer
— que se dizia açougueiro e dono de bar, mas tinha assaltos no currículo —
denunciou na Corregedoria da BM e também na Polícia Civil sete PMs do POE de
Alvorada por torturas e ameaça. Ele disse que foi capturado em 20 de abril de
2010 pelos policiais e forçado a beber água de um valão.
Mayer afirmou ter sido agredido a coronhadas, pontapés e
assegura que só não morreu porque conseguiu escapar. Durante quase um ano ele
fugiu dos PMs e seguiu denunciando as ameaças.
Em junho de 2011, seus familiares teriam recebido um recado
dos PMs, o de que Mayer teria o mesmo fim de Éverton Nunes Silveira, traficante
que atuava nos bairros Umbu e Salomé, morto com vários tiros em maio. Mayer foi
assassinado em 13 de julho passado. O registro da ameaça feita por ele reforçou
as suspeitas contra os PMs.
Uma pessoa assistiu à execução dos quatro homens em 13 de
julho de 2011 no bairro Salomé e a descreve em detalhes. Os mascarados desceram
de um carro prata e um deles disse:
— Te falei que tu ia cair, Marcelo! O alvo era Marcelo
Berro, com antecedentes por tráfico. Ele e os outros três foram colocados
contra uma parede, mãos na cabeça, e fuzilados. Caído no chão, Berro sussurrou
para a testemunha, antes de morrer:
— Foi o POE.
Fonte: Zero Hora
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