José Luís Costa, em Zero Hora.
Série de impasses sobrecarrega o
país para administrar cumprimento de pena de bandidos de outros países
O crime organizado internacional está impondo transtornos ao
Brasil. Além de engrossar as estatísticas de apenados estrangeiros, obriga a
Justiça a gastos e malabarismos para julgar e administrar o cumprimento das
penas dos presos, a maioria ligada ao narcotráfico.
O impasse inicial é o idioma, seguido de entraves para a
progressão de regime e o retorno à terra natal. Os estrangeiros, por sua vez,
sofrem com o isolamento e a falta de recursos. Preocupado com a situação, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara para agosto o lançamento de um banco
de dados integrado sobre estrangeiros.
A ideia é criar um portal, alimentado por autoridades
brasileiras, embaixadas e consulados. O CNJ também propõe alteração de
procedimentos jurídicos, visando a agilizar expulsões e incentivar a assinatura
de acordos bilaterais para transferir presos aos países de origem.
— Estamos conversando com o Ministério da Justiça para
acelerar esse mecanismo. É lento, por vezes, demora até dois anos — afirma o
juiz Luciano Losekann, da Presidência do CNJ.
Voltar para casa é o que deseja Eduardo Solari de Lima, 29
anos. Natural de Montevidéu, ele tem o perfil típico do estrangeiro preso no
Estado. Faz parte da maior colônia de encarcerados em cadeias gaúchas (55
uruguaios) condenada por tráfico de drogas.
Tatuador — 80% do corpo dele tem desenhos que chegam ao
rosto em forma de uma armadura de gladiador —, ele tem pena a cumprir até 2015,
e sonha ser transferido para perto da família para cumprir o que ainda deve.
Foto: Fernando Gomes/ Agência RBS |
O número de presos estrangeiros no Estado — 103 em julho —
se mantém estável, mas vem aumentando no país (em seis anos, cresceu 135,6%). O
Brasil é um tradicional corredor do tráfico para a Europa, facilitado por
melhorias na infraestrutura de transporte para o Exterior. O magistrado gaúcho
afirma que 90% dos estrangeiros estão presos pelo envolvimento com drogas e que
a situação tende a se agravar.
— No Brasil, é praticamente impossível a ressocialização
deles. Não conhecem pessoas, não têm trabalho. Qual o endereço que eles vão
informar ao juiz quando receberem licença para saída temporária? — pondera
Losekann.
Uma das propostas do CNJ para acelerar as expulsões é a de
que documentos dos processos sejam traduzidos para o inglês e para o espanhol,
facilitando o trâmite com representações diplomáticas. Entender o idioma dos
presos e fazer eles compreenderem o português e as leis brasileiras têm sido
uma barreira quase intransponível para a Justiça Federal.
Interrogatórios com intérpretes
Desde 2010, o Rio Grande do Sul enfrenta isso com mais
frequência, por causa da presença de traficantes oriundos de países longínquos.
O episódio mais emblemático envolve a cabeleireira Irina Zurkelis, 40 anos,
nascida na Lituânia (ex-república da União Soviética), capturada em 4 de
fevereiro pela Polícia Federal, no aeroporto Salgado Filho, com seis quilos de
cocaína. O julgamento correu risco de atrasar, e ela de ser solta por falta de
intérprete.
Para comunicar Irina as razões pela quais ela foi presa e o
crime do qual foi acusada, a juíza da 2ª Vara Federal Criminal, Salise Monteiro
Sanchotene, teve de telefonar para centros de idiomas Brasil afora até
localizar quem traduzisse os documentos para o lituano.
Precisava de um intérprete no interrogatório da ré. Como
Irina foi alfabetizada em russo, facilitou a tradução. Foi localizada em Porto
Alegre uma jovem russa, contratada pela Justiça Federal — com honorários acima
do previsto que é de R$ 58,70 para as primeiras três horas e R$ 23,48 para cada
hora adicional.
Em geral, o réu é quem paga as custas ao final do processo,
mas Irina é assistida pela Defensoria Pública Federal, e a despesa ficou por
conta da Justiça Federal.
— Graças à direção do Fórum, conseguimos a intérprete. Temos
dificuldades até de encontrar interessados em traduzir documentos para o
espanhol por causa dos valores da tabela judicial — lamenta a magistrada.
Além desses gastos, a juíza lembra que a presença de
estrangeiros cumprindo pena no Brasil desrespeita a Lei de Execução Penal (LEP)
no que tange a distância da família. Salise está preocupada com a próxima
captura:
— Ficamos imaginando de qual país e as dificuldades que
virão.
Espanhóis no Presídio Central
A crise financeira que afunda a Espanha fez crescer este ano
a população do já superlotado Presídio Central. Charly Cantalapiedra Odena, 48
anos, e Juan Carlos Hurtado Rivera, 56 anos, são dois dos 12 estrangeiros
presos na Região Metropolitana, metade por tráfico de drogas.
O primeiro a desembarcar na “estação Central” foi Odena,
nascido em Bruxelas, na Bélgica, mas cidadão espanhol — vive em Madri desde a
infância. Caminheiro sem trabalho, diz ter perdido veículos, casa e brigado com
a família. Nunca se casou e não tem filhos. Conta que dormia em albergues na
província de Toledo, quando diz ter sido procurado por um sul-africano que
ofereceu o equivalente a R$ 12 mil para buscar condimentos e lençóis em Lima,
no Peru, e levar de volta para a Espanha.
— Sabia que era droga, mas aceitei — lamenta.
Em 2 de fevereiro, foi pego em flagrante pela Polícia
Federal (PF) no aeroporto Salgado Filho tentando embarcar com 6,8 quilos de
cocaína. Odena diz ter recebido ajuda financeira do consulado espanhol por três
meses, mas, atualmente, sem recursos, vive de favores de outros presos:
— Não sei o que vai acontecer. Estou mal. Sem dinheiro não
se vive aqui dentro. Quero voltar logo para Madri para poder trabalhar. Minha
vida foi destruída, sou vítima de uma trampa — afirma.
Consulados visitam presos
Companheiro de galeria de Odena, no pavilhão F (reservado
para primários), o vendedor de quadros Juan Carlos Hurtado Rivera Rivera, de
Murcia, no leste espanhol, vive situação parecida. Fez praticamente a mesma
rota, Madri-Lima, chegando a Porto Alegre de ônibus vindo do Acre, em 23 de
março quando foi preso pela PF com 2,8 quilos de cocaína na bagagem ao tentar
embarcar no Salgado Filho para Portugal.
Desempregado, dois casamentos, quatro filhos e com uma
dívida de hipoteca que somaria o correspondente a R$ 750 mil, Rivera diz que
foi seduzido a buscar diamante bruto no Peru dentro de roupas de cama. Ganharia
cerca de R$ 9 mil.
— Quando a polícia abriu minha mala e disse que era cocaína,
não acreditei. Fizeram uma trampa — afirma, chorando.
É a Pastoral Carcerária que mais tem amparado Rivera,
comprando roupas, intermediando contatos com parentes em Murcia e entregando
remédios para a depressão, enviados por uma filha de Rivera.
—As condições do Central são cruéis, e os estrangeiros, que
vem de outra cultura, sofrem ainda mais —conta Manoel Feio da Silva,
coordenador estadual da Pastoral Carcerária.
Conforme a Embaixada da Espanha no Brasil, os consulados
costumam fazer visitas aos presos espanhóis, no mínimo, uma vez a cada
semestre, e podem ajudar com até R$ 300 mensais.
—Neste momento de limitações, é necessário fazer uma
distribuição mais rigorosa dos fundos, atendendo prioritariamente àqueles em
circunstâncias mais difíceis e com necessidades mais urgentes como médicas —diz
o comunicado da embaixada.
Lituana troca e-mails com o filho
Natural de Klaipeda, na Lituânia (ex-república da União
Soviética), a cabeleireira desempregada Irina Kurlelis, 40 anos, está desde 4
de fevereiro, dia que pisou pela primeira vez em Porto Alegre, na Penitenciária
Feminina Madre Pelletier.
Presa e condenada a seis anos e três meses por tráfico
internacional de drogas, Irina obteve ordem da Justiça para trocar e-mail com o
filho, única forma de contato com a família. A juíza federal Salise Monteiro
Sanchonete, que condenou Irina, tentou contatos para expulsar Irina, mas não
conseguiu. Não há embaixada lituana no Brasil.
Fonte: Site Zero Hora
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