Depois de visitar unidades de internação de adolescentes em
conflito com a lei em 10 estados, as juízas auxiliares da presidência do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsáveis pelo programa Justiça ao
Jovem, Cristiana Cordeiro e Joelci Diniz, concluíram que nenhuma atende ao
padrão estabelecido pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(Sinase) e pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA): há estados com boas
iniciativas em algumas áreas, outros avançaram em outras práticas, mas todos
têm falhas.
“Um sistema completo a gente ainda não viu”, afirmou a juíza
Cristiana Cordeiro. Entre os estados visitados até o momento, o maior
diferencial foi o Espírito Santo: avançou muito na implantação do projeto
pedagógico e socioeducativo, preparou os agentes para tratar os adolescentes
sob a ótica da socioeducação, construiu e reformou prédios. Mas a medida de
liberdade assistida, que depende dos municípios, é pouco aplicada.
O sistema completo, no padrão Sinase, é baseado na
recuperação do adolescente, evitando que ele prossiga no mundo do crime e
acabe, quando adulto, na prisão. “É totalmente fora do padrão prisional”,
explica. No entanto, ainda prevalece, na maioria dos estados, a visão da
segurança pública, do encarceramento como punição. “Isso só aumenta a revolta
do adolescente”, avalia a juíza Joelci Diniz.
Modelo que assegure ressocialização é desafio para governos
estaduais
“O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não é
realidade no Brasil”, reconheceu Marcelo Déda, governador de Sergipe, em
reunião com a equipe do CNJ em Aracaju, na terça-feira da semana passada (4/9).
“Há problemas graves que precisamos resolver”, disse. Para o governador, o
primeiro desafio é criar o modelo que assegure ao adolescente educação,
profissionalização, lazer, esportes e cultura, de forma que ele tenha condições
de sobrevivência e possa se integrar à sociedade.
“Estamos dispostos a colaborar, a corrigir equívocos”, disse
Marcelo Déda, defendendo o diálogo entre as instituições para chegar ao padrão
exigido pelo Sistema Nacional de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas
(Sinase). No dia 14 de agosto, Simão Jatene, governador do Pará, demonstrando
surpresa com a realidade do que deveria ser o sistema socioeducativo do estado,
admirou-se com a incompetência do aparelho estadual paraense para cuidar de
apenas 400 adolescentes: “Se não podemos resolver o problema de 400
adolescentes, nós somos capazes de quê?”
A Marcelo Déda cabe cuidar de um número bem menor, em torno
de 60 em regime de internação provisória e permanente. O governador Renato
Casagrande, do Espírito Santo, deu grandes passos no atendimento de 715
adolescentes em conflito com a lei e quer reunir os prefeitos que forem eleitos
agora em outubro para convencê-los a se empenharem na recuperação dos
adolescentes que puderem cumprir medida em meio aberto.
Tortura – O governador Marcelo Déda disse que não duvida da
existência de tortura nas unidades de internação. Há dificuldade de mudar a
cultura do antigo sistema Febem, baseado na repressão e formar equipes de
monitores com vocação para tratar com adolescentes. Muitos monitores, chamados
agentes de segurança, estão lá a contragosto: fizeram o concurso para agente
com a certeza de que seriam requisitados para outra função, de acordo com Déda.
Reclamações de maus-tratos e de tortura são comuns nas
unidades dos diversos estados visitados, com exceção do Espírito Santo. Em
Aracaju, as juízas Cristiana Cordeiro e Joelci Diniz notaram a falta de zelo
dos agentes nas unidades de internação provisória e permanente de adolescentes
do sexo masculino: eles veem o adolescente como inimigo a ser combatido, e não
como alguém que precisa de ajuda.
Nas unidades do Espírito Santo, nenhum interno reclamou de
maus-tratos durante a visita do CNJ: os agentes socioeducadores passaram por
requalificação, e alguns que resistiram ao novo padrão de atendimento foram
dispensados ou transferidos para outros órgãos.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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