Para o ministro, a lei atual é boa, inspirada por elevados
valores humanitários. O objetivo da LEP é respeitar o ser humano condenado,
permitindo sua recuperação pessoal, reinserção e manutenção do convívio em
sociedade.
Porém, segundo o presidente da comissão de juristas, a
realidade não pode ser ignorada. E a realidade é que o dia a dia da execução
penal no Brasil não atinge seus objetivos nucleares nem proporciona proteção à
sociedade e prevenção da criminalidade.
Superlotação e impunidade
De acordo com o ministro, de um lado os condenados são
mantidos em presídios superlotados, muitos com penas já cumpridas, soterrados
por procedimentos burocráticos.
De outro, afirma, “a sociedade recolhe o microtraumatismo
repetidamente visto e noticiado da sensação de impunidade, diante da ineficácia
da lei penal. A sociedade suporta a devolução de pessoas perigosas ao convívio
livre com vítimas e testemunhas, prodigalizando o retorno do medo à vida
diária. Nociva sensação de abandono do agir honesto, do respeito às leis e às
instituições”.
Ao longo desses anos, o STJ tem enfrentado diversas questões
relativas ao tema. Confira nesta reportagem especial alguns dos assuntos
tratados pela LEP e que devem ser discutidos pela comissão de juristas.
Súmulas
Seis súmulas do STJ abordam diretamente a execução penal. A
mais recente, de número 493, impede que seja aplicada como condição para o
regime aberto uma situação já classificada pelo Código Penal como pena
substitutiva autônoma.
O entendimento foi fixado no Recurso Especial repetitivo
1.107.314. Para os ministros, exigir que o condenado prestasse serviços à
comunidade para obter o regime aberto resultaria em dupla penalização.
Conforme o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, as “condições
especiais” possíveis para a fixação do regime aberto devem se identificar com
medidas de caráter educativo, profissionalizante, de valorização da cidadania
ou acompanhamento psicológico ou médico.
Salto
Por outro lado, a Súmula 491 impede a progressão de regime
“por salto”. Ou seja: é ilegal a progressão direta do regime fechado ao aberto.
Em um dos precedentes considerados para edição do verbete
(HC 191.223), o preso tinha o direito de passar ao regime semiaberto desde
2006, mas foi mantido em regime fechado até 2009 por falta de vagas em
estabelecimento adequado ao regime mais brando.
O juiz da execução autorizou a progressão retroativa, em
vista do atraso na implementação do benefício, contando o prazo como se o preso
estivesse já no regime semiaberto desde 2006. Assim, antes mesmo de ser
efetivamente transferido a esse regime, ele já deveria passar ao regime aberto.
Para os ministros, no entanto, o entendimento contraria a LEP, que impõe que o
preso cumpra um sexto da pena no regime fixado, antes de poder progredir.
Exame criminológico
O prazo é o requisito objetivo para a progressão. O
requisito subjetivo está retratado na Súmula 439. O verbete autoriza a
realização do exame criminológico como requisito para a progressão, desde que
justificado em cada caso específico.
Até 2003, a lei obrigava o exame em todos os casos. A nova
redação exigiu “bom comportamento” e motivação da decisão pela progressão. Para
o STJ, apesar de não ser mais obrigatório, o laudo pericial para aferir a
adequação do preso à realidade do regime mais brando é um instrumento a serviço
do juiz, quando este entenda necessário e fundamente sua opção (HC 105.337).
Prisão domiciliar
Mas se a progressão por salto é vedada, o STJ também não
admite que o condenado cumpra pena em regime mais grave que o merecido. Assim,
se não há vaga em estabelecimento adequado ao regime a que faz jus o preso, ele
deve ser mantido em regime mais brando.
No HC 181.048, por exemplo, o ministro Gilson Dipp garantiu
a condenado a regime semiaberto que aguardasse em regime aberto, ou mesmo em
prisão domiciliar, o surgimento da respectiva vaga. Para o Tribunal, a inércia
do poder público não autoriza o recolhimento do condenado em regime mais
severo.
O STJ também admite a prisão domiciliar para condenados ao
regime fechado, excepcionalmente, em caso de necessidade de tratamento médico
impossível de ser prestado no presídio.
Saída temporária
Já em 1992, o STJ editou também a Súmula 40, ainda
aplicável. O verbete prevê que, para a obtenção dos benefícios da saída
temporária e do trabalho externo, basta ao réu que esteja em regime semiaberto
e tenha cumprido um sexto do total da pena, não necessariamente nesse regime.
O entendimento foi aplicado, por exemplo, no HC 134.102, de
2009, no qual o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negava ao condenado a
visita periódica ao lar por conta do pouco tempo em que se encontrava no regime
semiaberto. A Quinta Turma aplicou a súmula e concedeu o benefício ao preso.
Crimes hediondos
A Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, originalmente impedia
qualquer progressão de regime aos condenados pelas práticas nela listadas.
Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo entendimento já manifestado
pelo próprio STJ, entendeu que a lei era inconstitucional.
O Congresso editou nova lei em 2007, permitindo a progressão
para tais crimes, mas com prazos maiores em cada regime do que os previstos na
LEP. Para o Ministério Público, como a lei mais nova permitia a progressão
antes vedada, ela era mais benéfica e deveria ser aplicada mesmo para crimes
cometidos entre 1990 e 2007.
Mas o STJ consagrou na Súmula 471 o entendimento de que a
nova norma é mais prejudicial. No HC 83.799, um dos precedentes que a
embasaram, os ministros esclareceram que, diante da inconstitucionalidade da
Lei de Crimes Hediondos original, a única legislação aplicável naquele período
seria a LEP.
Assim, a nova lei, ao aumentar de um sexto para dois quintos
(ou três quintos, no caso de reincidência) os prazos para progressão, é mais
prejudicial ao condenado e inaplicável para os fatos anteriores à sua vigência.
Remição pelo estudo
Em 2003, o STJ já reconhecia o direito do preso à remição de
pena pelo estudo, incorporado à legislação em 2011. O entendimento foi fixado
também na Súmula 371. Pela remição, o preso ganha um “desconto” no tempo da
pena, de um dia a cada três de trabalho ou de estudo.
Para o ministro Gilson Dipp, relator do Recurso Especial
445.942, que embasou o enunciado, o objetivo da LEP ao prever o desconto de
pena pelo trabalho é incentivar o bom comportamento e a readaptação do preso ao
convívio social.
Assim, a interpretação extensiva da lei, para permitir igual
desconto pelo estudo, atende a seus objetivos e dá aplicação correta ao
instituto. “A educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo
à sociedade”, afirmou o atual vice-presidente do STJ.
Falta grave
Se o preso comete falta grave, no entanto, ele perde parte
dos dias remidos. O STJ entende (REsp 1.238.189) que essa punição não ofende o
direito adquirido, a coisa julgada ou a individualização da pena, já que a
remição é um instituto passível de revogação. Atualmente, são faltas graves,
por exemplo, fuga, rebelião e uso de celular.
O Tribunal também entende que a prática de falta grave
implica interrupção (isto é, reinício da contagem) do prazo para progressão de
regime, mas não para o livramento condicional e a comutação da pena (EREsp
1.197.895).
Regime aberto
O STJ rejeita, porém, a remição por estudo ou trabalho no
regime aberto. É a situação retratada no REsp 1.223.281. Nesse caso, a Justiça
do Rio Grande do Sul havia concedido o “desconto”, por entender que não havia
impedimento legal para a medida. O ministro Og Fernandes reiterou a
jurisprudência pacífica do STJ, afirmando que a lei prevê expressamente o
benefício apenas para os regimes fechado e semiaberto.
O ministro Og Fernandes foi também o relator do Habeas
Corpus 180.940, no qual se flexibilizou a LEP para permitir que fosse dado ao
condenado um prazo razoável para buscar ocupação lícita.
O texto legal exige que a prova de disponibilidade de
trabalho imediato seja feita antes da progressão ao regime aberto. Porém, o
ministro considerou que a realidade é que pessoas com antecedentes criminais
tenham maior dificuldade no mercado de trabalho formal, e observar a previsão
literal da lei inviabilizaria a existência do benefício.
Bolsa-masmorra
Fora da esfera estritamente penal, o STJ também já decidiu
sobre a responsabilidade do estado pela superlotação. Diversos processos
trataram do dano moral sofrido pelo detento submetido a presídio com número de
presos muito superior à lotação.
Diante de posicionamentos diversos entre as Turmas do
Tribunal, foi julgado um embargo de divergência sobre o tema. No EREsp 962.934,
prevaleceu o entendimento de que a concessão de indenização individual ao
submetido a superlotação ensejaria prejuízo à coletividade dos encarcerados, ao
reduzir ainda mais os recursos disponíveis para investimentos públicos no
setor.
A avaliação do ministro Herman Benjamin no REsp 962.934 foi
confirmada pela Primeira Seção. Pela decisão, não faz sentido autorizar que o
estado, em vez de garantir direitos inalienáveis e imprescritíveis
titularizados pelos presos, pagasse àqueles que dispusessem de advogados uma
espécie de “bolsa-masmorra” em troca da submissão diária e continuada a ofensas
indesculpáveis.
A decisão não transitou em julgado. O processo encontra-se
suspenso em vista da repercussão geral do tema, decretada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) no Recurso Extraordinário 580.252.
Fonte: Site do STJ
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