Segundo a denúncia, firmada pelo então procurador-geral da
Justiça Roberto Bandeira Pereira, “na tarde de 02 de julho de 2005, na agência
do Banco do Brasil, da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de
autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade
de locomoção de Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em
flagrante".
A peça de acusação relata que Jairo "na condição de magistrado,
acompanhado de dois oficiais de justiça, do delegado de Polícia Alcindo Romeu
Dutra Martins e de outro policial civil, ambos da Delegacia de Policia de
Lavras do Sul, bem como de quatro PMs, adentrou nas dependências do banco,
tendo, aos gritos, acusado a vítima de estelionato e determinado a sua
condução, com algemas, à Delegacia de Polícia local, mediante os seguintes
termos: ´Leva agora. A explicação é na Delegacia. E é sem fiança”.
Na origem do caso, o juiz Jairo Cardoso Soares mantinha
pendências financeiras de pouco mais de R$ 30 mil com o Banco do Brasil e com
administradoras de cartões de crédito.
No dia 1º de julho de 2005, o magistrado informou à
instituição financeira que fizera um depósito suficiente para a liquidação dos
débitos. Na hora de zerar as contas, porém, teriam faltado R$ 700. Com a
realização do depósito complementar, a situação de restrições creditícias -
prometeu o banco - estaria regularizada em 48 horas.
Porém, já no dia seguinte (02), por volta das 16 h. -
sabendo que ainda se encontrava cadastrado na Serasa - "impaciente e
exaltado, Jairo telefonou para a agência dizendo que lá iria a fim de prender o
gerente, o que de fato ocorreu pouco mais tarde, configurando-se injustificável
arbitrariedade no ato consumado" - segundo revelam os autos processuais.
O gerente Seno Luiz Klock (na condição de preso), o juiz
Jairo, policiais e testemunhas foram todos para a delegacia. Por volta das 22
h, o delegado Alcindo Romeu Dutra Martins escreveu no inquérito que "o
autuado efetivamente infringiu o art. 171 do Código Penal e por ter curso
superior (bacharel em Direito) e ser crime inafiançável será recolhido ao
Pelotão da Brigada Militar, ficando à disposição da Justiça".
Como Lavras do Sul só tinha um juiz - que era o próprio
magistrado autor da ordem verbal de prisão - surgiu um impasse processual: quem
homologaria o flagrante? O caso foi passado para a juíza Alessandra Couto de
Oliveira, de uma comarca vizinha, que homologou a prisão em flagrante, mas
concedeu ao gerente do banco o benefício da liberdade provisória, afinal obtida
só às 2 horas da madrugada seguinte.
Nenhum dos advogados locais procurados quis fazer a defesa
do gerente bancário. Em Porto Alegre, familiares do gerente contrataram o
advogado Amadeu de Almeida Weinmann, que afinal - mais tarde - em nome do
bancário, se habilitou como assistente da acusação.
Em 21 de julho de 2005, o Banco do Brasil ofereceu formal
representação na Corregedoria-Geral da Justiça contra o juiz Jairo Cardoso
Soares. Na petição, o advogado Ademar Pedro Scheffler, em nome do BB, foi
incisivo na crítica ao comportamento do juiz: "Jairo agiu não como cidadão
comum, mas na condição de magistrado, movimentando um aparato policial nunca
visto na cidade: duas viaturas e nove acompanhantes , dentre oficiais de
justiça, policiais e PMs".
Instaurado processo administrativo, o juiz - "por
procedimento incompatível à condição de magistrado" - sofreu (em 14 de
novembro de 2005) a imposição da pena disciplinar de remoção compulsória, sendo
transferido de Lavras do Sul para a comarca de Três de Maio. No mesmo dia, o
então-presidente do TJ gaúcho, desembargador Osvaldo Stefanello, oficiou ao
procurador-geral da Justiça, enviando a prova documental "para as devidas
providências".
Houve então a denúncia criminal. Durante a instrução da ação
penal, o magistrado Jairo, ao depor, admitiu que "nunca agira assim na
minha vida, me tenho por uma pessoa equilibrada (...), reconheço que perdi o
equilíbrio, hoje eu agiria diferente porque na área cível eu estava cheio de
razão, eu era a vítima. Só que por um ato desses, eu de vítima passei a réu.
Tudo bem. O que está feito, está feito".
Pouco mais de dois anos e três meses depois do fato apontado
como delituoso - o TJRS condenou o juiz. O relator foi o desembargador Vladimir
Giacomuzzi.
No seu voto, ele afirmou que "o acusado se utilizou,
consciente, abusiva e ilegalmente, do cargo que ocupava, para fazer o que fez”.
Nessa linha votaram outros 21 desembargadores; outros três
votaram pela absolvição.
Atualmente, o juiz Jairo atua na comarca gaúcha de São Sepé.
(Proc. nº 70015391626).
Prescrição no STJ
O REsp em nome do juiz foi interposto pelos advogados José
Antonio Paganella Boschi (desembargador gaúcho aposentado) e Marcus Vinicius
Boschi.
Protocolado no STJ em 24 de junho de 2008, o julgamento demorou
cinco anos e três meses, passando sucessivamente pelos gabinetes dos ministros
Nilson Naves, Vasco Della Giustina e Alderita Ramos de Oliveira - sem que
houvesse qualquer decisão.
Em 2 de setembro deste ano foi designado novo relator: o
ministro Rogério Schietti Cruz, empossado no STJ na segunda quinzena de agosto.
No dia 1º de outubro, Schietti declarou extinta a punibilidade, sendo a decisão
comunicada ao mesmo dia ao TJRS. Dois dias depois foi publicada a decisão no DJ
On line.
No julgado, o relator considera que "o último marco
interruptivo é o acórdão condenatório, julgado em 24 de setembro de 2007".
A partir dessa data contam-se os dois anos da pretensão punitiva, que ocorreu
em 24 de setembro de 2009. O relator, assim, julgou extinta a punibilidade.
(REsp nº 1068768).
Ação cível lenta
No Foro de Porto Alegre, o gerente bancário Seno Luiz Klock
é autor de uma ação cível de reparação por dano moral contra o Estado do RS e
contra o próprio juiz Jairo Cardoso Soares. Este, nos mesmos autos, tornou-se
reconvinte.
As duas ações têm, já, quase sete anos de tramitação
(ajuizamento em 1º.11.2006) na 2ª Vara da Fazenda Pública. Ainda sem sentença,
os autos repousam na "Pilha nº 12". (Proc. nº 10602231420).
Contraponto
O Espaço Vital ofereceu ao juiz Jairo a possibilidade de
manifestar-se.
Ele respondeu ontem (7) que preferia externar sua
manifestação, se for o caso, depois de ler a publicação da matéria.
Fonte: Site Espaço Vital
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