A reforma no Código Penal Brasileiro que tramita no
Congresso Nacional deve ser votada até o fim de 2013. No entanto, assuntos
polêmicos estendem a discussão do projeto iniciado em outubro de 2011. Entre
eles: a legalização do aborto e da ortotanásia - quando o paciente se encontra
em estado natural de morte restringe-se tratamentos agressivos e ineficientes,
que não reverterão o quadro -, penas mais pesadas e diferentes tipificações
para crimes hediondos e organizações criminosas, além da aprovação do cultivo e
do porte de certas quantidades de drogas para consumo próprio.
Durante sessão
na última semana foram apresentadas 806 emendas pelos senadores e o texto da
reforma retornou para a Comissão Especial Parlamentar de Projetos que trata do
assunto.
Para ampliar o debate, a reportagem do Diário Popular
conversou com uma advogada criminalista, um doutor em Sociologia e um professor
de Bioética sobre alguns tópicos do Projeto de Lei e constatou diferentes
pontos de vistas.
A Comissão de Juristas, criada há dois anos, apresentou em
junho de 2012 um anteprojeto com 543 artigos para revisão do Código Penal
Brasileiro (elaborado em 1940 e com algumas modificações na Constituição em 1988).
Rafaela Azevedo - Diário Popular |
A minuta resultou no Projeto de Lei do Senado (PLS) 236/2012 assinado pelo
então presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Atualmente a Comissão Especial
Parlamentar de Projetos é composta por 11 integrantes e presidida pelo senador
Pedro Taques (PDT-MT). O prazo final para conclusão dos trabalhos é 16 de
dezembro, após a votação, o projeto seguirá para sentença da Comissão de
Constituição, Cidadania Justiça e Justiça (CCJ).
A professora de Direito Penal, Criminologia e Prática
Processual Penal da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), Ana Cláudia Lucas, entende como um dos grandes
acertos do novo Código a identificação dos bens jurídicos que efetivamente são
merecedores da tutela penal, a partir da visão constitucional, ou seja, fatos
que precisam ser definidos como crimes.
Penas mais firmes para corrupção, enriquecimento ilícito no
cargo público, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, crimes fiscais,
terrorismo e crimes cibernéticos, segundo Ana Cláudia, deixam a legislação mais
atual em relação à realidade brasileira. “A reforma inclui inclusive a punição
de pessoa jurídica por crimes de corrupção, tal como já ocorre em relação aos
crimes ambientais”, explica.
Por outro lado, a advogada criminalista destaca alguns
defeitos no novo projeto. A proteção excessiva aos animais em detrimento da
integridade física e corporal das pessoas e a punição exagerada para este tipo
de crime é um dos pontos. Outras mudanças como as alterações na parte geral do
Código Penal e o aumento do prazo necessário para se conceder o direito de
progressão de regime de um sexto para um quarto da pena, ou seja, o cumprimento
de aos menos 25%, são vistos de forma negativa por Ana Cláudia.
Mesmo tramitando há dois anos, o tempo para consolidar
decisões como estas, segundo a professora, ainda é pequeno. No entanto, ela
garante: “É difícil que haja consenso numa reforma desta natureza”.
Novas leis e diferentes pontos de vista
Quando se fala em aborto diversas opiniões se divergem sobre
o tema. Nas ruas, nas salas de aula ou entre especialistas ouvem-se variados
conceitos que podem chegar a até dois extremos: liberação e proibição do ato.
Atualmente o aborto é permitido em casos de risco à vida da
mãe ou quando a gravidez é fruto de violação sexual. No caso de fetos
anencéfalos ou inviáveis, os tribunais já vêm autorizando a interrupção da
gestação. O mesmo acontece com aborto eugênico, quando o feto apresenta
anomalias que inviabilizam a vida fora do útero materno.
No projeto inicial da reforma, passava a ser permitida a
interrupção da gestação até a 12ª semana de gravidez por vontade da mãe, quando
ela não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. No
entanto, esta proposta foi excluída. “É uma situação mais tormentosa e de maior
dificuldade de aceitação por parte de setores da sociedade”, entende Ana
Cláudia, considerando a sentença de exclusão adequada.
Fabio Raniere, professor de Bioética da UCPel, acredita que
o aborto não é apenas uma questão legal por que reúne fatores como o ser humano
e o direito de viver. Interromper a vida, para o professor, significa
desvalorizar o ser humano. "Ele (a pessoa) não pode ser coisificado e
visto como algo que se decida o direito de viver ou não".
O aborto também foi tema de uma das 806 emendas apresentadas
recentemente pelos senadores. José Agripino (DEM-RN) sugeriu o aumento do tempo
de pena de quatro para seis anos ao crime praticado por terceiro, com
consentimento da gestante.
Outro assunto votado e excluído da Reforma foi a
descriminalização de porte e cultivo de pequenas quantidades de drogas que
represente consumo médio individual de cinco dias. Em sessão, o relator Pedro
Taques alertou que a aprovação ocorrida em outros países não se encaixa ao
cenário nacional. “O Brasil não tem o espaço territorial igual ao da Holanda.
Não somos o Uruguai. Nós temos circunstâncias que nos diferem destes lugares,
inclusive geográficas".
A advogada criminalista considera a decisão acertada.
"Sou favorável a despenalização ou descarcerização para essas
situações". Referindo-se ao insucesso de medidas prisionais e punitivas
neste caso, onde o indicado é o tratamento. Ela entende que a experiência
uruguaia poderá servir de parâmetro para discutir o caso futuramente. O Senado
do país vizinho votará neste mês a lei que aprova a plantação e a legalização
de maconha.
Professor da UCPel e doutor em Sociologia com ênfase em
Sociologia da Punição e das Prisões, Luiz Antônio Bogo Chies, vai além das
proposições citadas na Reforma. Em relação a atualização do código, Chies
considera necessária, no entanto, diz acreditar que os tópicos que falam de
crimes e punição respondem a anseios políticos com medidas de populismo e que
pouco qualificam o controle social democrático. “Essa atualização é realizada
em toda ambivalência e ambiguidade de nossa cultura social, política e
jurídica”.
Para finalizar, Ana Cláudia faz uma constatação sobre a
reforma, o que deixa claro a eterna existência de divergências em sociedade em
constante mudança. “A legislação nunca está pronta. E mesmo quando
substancialmente reformulada, sempre será necessário aperfeiçoá-la buscando,
através da jurisprudência, corrigir pequenas distorções”.
Fonte: Diário Popular
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