Imagem meramente ilustrativa |
No âmbito da 1ª instância, o juiz originário deferiu medidas
cautelares de afastamento do lar e proibição de aproximação e contato,
determinando a redistribuição do processo para uma Vara Criminal, por não
vislumbrar que a hipótese estivesse amparada pelas normas tutelares da Lei
Maria da Penha.
Ao decidirem o recurso, no entanto, os desembargadores
ponderaram que a controvérsia não era simples, mas poderia ser solucionada a
partir dos mesmos preceitos utilizados em outros julgados. E afirmaram: O
gênero feminino da vítima parte de sua liberdade de autodeterminação, sendo
apresentado socialmente pelo nome que adota, pela forma como se veste e pela
maneira como deseja ser tratada em suas relações. (...) A alteração do registro
de identidade ou a cirurgia de transgenitalização são apenas opções postas à
sua disposição para que exerça de forma plena e sem constrangimentos sua
liberdade de escolha, não se tratando de condicionantes para que seja
considerada mulher. Além disso, uma vez que se apresenta dessa forma, a vítima
também carrega consigo todos os estereótipos de vulnerabilidade e sujeição
voltados ao gênero feminino, combatidos pela Lei Maria da Penha.
Admitida socialmente como Raquel, a ela se aplicam vários
dos mecanismos de posse e submissão que justificam a incidência do diploma mais
protetivo.
Observem-se especialmente as atitudes do ex-companheiro, que
sempre foi ciumento e a agredia física e moralmente; recusou-se a sair de casa
após o fim do relacionamento; controlava seus hábitos e impedia que
trabalhasse, em clara dinâmica de relacionamento abusivo, tão observada nos
feitos dessa espécie.
Há suspeitas, inclusive, de que as agressões tratadas por
este inquérito ocorreram depois que a vítima chegou em casa tarde, porque havia
saído para beber com as amigas sem dar satisfações ao agressor.
Negar incidência da Lei Maria da Penha, nesta hipótese, é
observar a dupla fragilidade da vítima - por ser mulher e por ser transgênero -
sem garantir-lhe qualquer forma especial de tutela.
Nº do processo: 20171610076127
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