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sexta-feira, abril 27

A vida sem vida

Imagem meramente ilustrativa
Patrícia Pranke
Professora da UFRGS
Pesquisadora do Instituto de Pesquisas com Células-Tronco (*)


A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a interrupção da gestação de anencéfalos envolveu também uma questão científica que está sendo pouco mencionada nos debates sobre o assunto.

A parte legal e de preservação do equilíbrio emocional da mãe parece-nos óbvia. Colocando-me na pele de uma mãe, vejo uma situação dramática: em vez de se preparar para receber uma nova vida, ela se prepara para o velório do filho. Além de já ser uma tortura psicológica cruel para a mulher que está gestando um feto sem vida, o momento do parto e o enterro do filho são a consumação de uma dor alimentada durante os meses de gestação. Esse período, que deveria ser um momento feliz, significará um funeral prolongado.

Quando se avalia esse fato sob o ponto de vista legal ou filosófico até podemos entender que seja uma questão de opinião ou ponto de vista. Porém, olhando do ponto de vista  científico, não há o que questionar. Quem questionaria se 20 especialistas diagnosticassem que um determinado paciente tem um tumor em um órgão, uma vez que os mesmos estão enxergando o tumor? É pouco provável que algum paciente diria que isso é apenas uma questão de ponto de vista.

A analogia é a mesma em relação ao feto anencéfalo. Posicionar-se contrário  à interrupção da gestação de um feto anencéfalo é o mesmo que ser contra a doação de órgãos. Claro que as pessoas têm o direito de se opor à doação de órgãos. Mas apoiar a doação de órgão e ser contra a interrupção da gestação em caso de anencefalia é uma enorme contradição.

No mundo ocidental aceitamos que uma pessoa está morta, mesmo com o coração batendo, frente ao diagnóstico de morte encefálica. Podemos manter o coração da pessoa funcionando por alguns dias graças aos equipamentos a ela ligados. Da mesma forma, um feto anencéfalo pode manter os batimentos cardíacos enquanto estiver ligado ao ‘aparelho materno’, e até mesmo por algumas horas após o nascimento.

Mas não pode haver questionamentos. Sem o funcionamento cerebral, a pessoa está morta e a doação de órgãos pode ser procedida. No caso dos anencéfalos ocorre uma peculiaridade desconcertante: durante a gestação o corpo permanece vivo, mas a morte encefálica já se consumou.

(*) Artigo publicado originalmente em Zero Hora, edição de 18 de abril de 2012, página 14.

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