Professora da UFRGS
Pesquisadora do Instituto de Pesquisas com Células-Tronco (*)
A decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre a interrupção da gestação de anencéfalos envolveu também uma
questão científica que está sendo pouco mencionada nos debates sobre o assunto.
A parte legal e de preservação do
equilíbrio emocional da mãe parece-nos óbvia. Colocando-me na pele de uma mãe,
vejo uma situação dramática: em vez de se preparar para receber uma nova vida,
ela se prepara para o velório do filho. Além de já ser uma tortura psicológica
cruel para a mulher que está gestando um feto sem vida, o momento do parto e o
enterro do filho são a consumação de uma dor alimentada durante os meses de
gestação. Esse período, que deveria ser um momento feliz, significará um
funeral prolongado.
Quando se avalia esse fato sob o
ponto de vista legal ou filosófico até podemos entender que seja uma questão de
opinião ou ponto de vista. Porém, olhando do ponto de vista científico, não há o que questionar. Quem
questionaria se 20 especialistas diagnosticassem que um determinado paciente
tem um tumor em um órgão, uma vez que os mesmos estão enxergando o tumor? É
pouco provável que algum paciente diria que isso é apenas uma questão de ponto
de vista.
A analogia é a mesma em relação
ao feto anencéfalo. Posicionar-se contrário
à interrupção da gestação de um feto anencéfalo é o mesmo que ser contra
a doação de órgãos. Claro que as pessoas têm o direito de se opor à doação de órgãos.
Mas apoiar a doação de órgão e ser contra a interrupção da gestação em caso de
anencefalia é uma enorme contradição.
No mundo ocidental aceitamos que
uma pessoa está morta, mesmo com o coração batendo, frente ao diagnóstico de
morte encefálica. Podemos manter o coração da pessoa funcionando por alguns
dias graças aos equipamentos a ela ligados. Da mesma forma, um feto anencéfalo
pode manter os batimentos cardíacos enquanto estiver ligado ao ‘aparelho
materno’, e até mesmo por algumas horas após o nascimento.
Mas não pode haver
questionamentos. Sem o funcionamento cerebral, a pessoa está morta e a doação
de órgãos pode ser procedida. No caso dos anencéfalos ocorre uma peculiaridade
desconcertante: durante a gestação o corpo permanece vivo, mas a morte encefálica
já se consumou.
(*) Artigo publicado originalmente em Zero Hora, edição de 18 de abril de 2012, página 14.
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