Jurada passou mal e conselho de
sentença foi dissolvido. Julgamento será retomado na próxima segunda-feira
(15).
Foi adiado nesta segunda-feira (8) o julgamento de 26
policiais militares que participaram do caso que ficou conhecido como o
massacre do Carandiru.
De acordo com o Tribunal de Justiça (TJ), o motivo foi uma
jurada ter passado mal. O Tribunal informou que, com o incidente, o
"conselho de sentença foi dissolvido". Isso significa que serão
escolhidos outros sete jurados e o julgamento precisará ser recomeçado.
Os trabalhos serão recomeçados na próxima segunda-feira
(15), a partir das 9h.
De acordo com o promotor Fernando da Silva, o adiamento
atrapalha um pouco o andamento dos trabalhos, mas a acusação se diz preparada.
"É uma frustação o julgamento não ter se iniciado hoje, mas não há
prejuízo", disse.
De acordo com o promotor, o adiamento ocorreu devido a uma
contingência que foge do controle do judiciário e das partes. Ele não quis falar
sobre as provas do processo. O promotor não mencionou se os jurados teriam
vistos fotos do massacre durante a leitura das peças, após ser questionado se
esse seria o motivo de a jurada ter passado mal.
A advogada Ieda Ribeiro de Souza disse que o adiamento não
prejudica a defesa dos réus. Segundo ela, se em 20 anos não foi possível
comprovar qual a responsabilidade de cada policial nas mortes, o prazo de mais
uma semana não vai ajudar a promotoria.
Leitura de peças
O julgamento tinha sido iniciado por volta das 11h desta
segunda, com mais de duas horas de atraso, no Fórum da Barra Funda. Nesta
manhã, foi feita a leitura das peças.
Pouco antes do meio-dia, jornalistas que estavam no plenário
do fórum foram retirados da sala, porque, segundo a assessoria de imprensa do
Tribunal de Justiça, estavam conversando e atrapalhando a leitura das peças.
Os jornalistas que acompanhavam o áudio do julgamento na
sala de imprensa do fórum também tiveram suas atividades prejudicadas devido a
uma falha técnica.
Os réus respondem em liberdade pelos assassinatos de 15 dos
111 presos mortos do Pavilhão 9 da Casa de Detenção, há 20 anos. Os réus
Argemiro Cândido e Reinaldo Henrique de Oliveira não foram ao fórum para
acompanhar os trabalhos por motivos de saúde.
A previsão era que a sentença fosse conhecida em até duas
semanas devido à quantidade de réus e testemunhas para serem ouvidas.
(Foto: Arquivo/Diário de S. Paulo) - Dia do massacre |
No dia da matança dos detentos, em 2 de outubro de 1992,
grupos de elite da Polícia Militar, armados com revólveres, pistolas,
espingardas, submetralhadoras e lançadores de granadas de gás, invadiram o
presídio para conter uma rebelião. Cavalos e cães também foram usados.
Revólveres, barras de ferro, estiletes, marreta de ferro e porções de droga
teriam sido apreendidos pelos PMs com os presidiários.
O resultado da ação policial, no entanto, foi trágico para
os presos. Rastros de sangue pelo chão levavam aos corpos deles, crivados de
balas, principalmente nas cabeças, troncos e braços. Amontados, como se
quisessem se proteger, eles permaneceram sem vida dentro das celas e corredores
daqueles quatro andares da unidade prisional.
Duas décadas depois, sete jurados começaram a decidir nesta
manhã se os policiais são culpados ou inocentes do crime de homicídio doloso
qualificado (quando há intenção de matar, sem dar chance de a vítima se
defender) contra cada um dos detentos. Para o Ministério Público, responsável
pela acusação, os PMs executaram as vítimas e, por esse motivo, deveriam ser
condenados à prisão pelas mortes que provocaram. O juiz José Augusto Nardy
Marzagão preside o júri.
“Houve claramente um massacre, uma execução. Os presos foram
mortos sem chance de se defenderem”, afirmou o promotor Fernando Pereira da
Silva, que quer uma pena máxima de 30 anos para os policiais. “Lembrando que
essa pena pode ser somada pelo número de mortos.”
Mesma opinião tem o também promotor Márcio Friggi. “Os
presos foram mortos com tiros na cabeça e peito. Os PMs atiraram para executar
e não para se defenderem. Eles também alteraram a cena do crime”, afirmou.
Júri desmembrado
Mais 53 PMs serão julgados posteriormente pelas mortes dos
demais 96 detentos. No total, 79 são acusados pelo Ministério Público dos 111
homicídios no mesmo processo do Carandiru. São 57 volumes, 111 apensos e 50 mil
páginas. Por conta do número de réus, no entanto, a Justiça desmembrou o caso
em quatro partes ou júris diferentes, correspondentes aos andares invadidos. O
critério será julgar o grupo de policiais militares que esteve em cada um dos
pavimentos onde presos foram mortos.
Nesta primeira estapa vão a julgamento 26 então policiais
das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) que invadiram o 1º andar da
unidade prisional e participaram da ação que resultou em 15 detentos mortos.
Quatorze deles baleados e um esfaqueado. Atualmente, somente
oito dos réus continuam na ativa, e após promoções estão trabalhando na PM como
oficiais. Os demais se aposentaram. Pela lei, os acusados não são obrigados a
comparecer ao julgamento. Pelo menos dois deles não deverão ir por motivos de
doença.
Entre um julgamento e outro está programado um intervalo de
até três meses, segundo o juiz do caso, José Augusto Marzagão, informou a
assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de SP. O magistrado pretende terminar todos os
julgamentos neste ano.
No térreo do Pavilhão 9 não houve mortes. No segundo andar,
porém, outros 29 PMs da Rota entraram e deixaram 73 vítimas. No terceiro andar
ingressaram 16 integrantes do Comando de Operações Especiais (COE) e saíram de
lá oito presos sem vida. Mais 15 homens foram mortos no quarto andar após a ida
de 13 membros do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).
Para a Promotoria, o maior desafio da acusação será o de
convencer os jurados de que é errada a ideia de que "bandido bom é bandido
morto". "Infelizmente, tem muita gente que coaduna com essa ideia.
Tanto que alguns policiais, ao invés de punidos, são premiados", comentou
Márcio Friggi.
Para tentar convencer os jurados de que os PMs devem ser
punidos por executarem os presos, os promotores querem ouvir os depoimentos de
testemunhas que presenciaram o massacre, entre elas detentos sobreviventes.
Também foram arrolados um agente penitenciário que trabalhava no Carandiru e o
perito que esteve na cena do crime.
Argumentar sobre o risco da impunidade é outra estratégia da
acusação. A Promotoria poderá citar, por exemplo, que a morte dos detentos
provocou o surgimento de uma das facções criminosas mais perigosas de São
Paulo.
Ubiratan
Desde 1992 até agora, somente um réu foi julgado no processo
do massacre: coronel Ubiratan Guimarães. Em 2001, o então comandante do
Policiamento Metropolitano e responsável pela invasão ao presídio foi condenado
a 632 anos de prisão pelo assassinato dos 111 detentos. Cinco anos depois, no
entanto, sua defesa recorreu da sentença e ele, já na condição de deputado
estadual foi absolvido. O oficial e político foi morto com um tiro em 2006,
dentro de seu apartamento.
Os defensores dos acusados rebatem a denúncia do Ministério
Público. Alegam que os policiais agiram no cumprimento do dever para por fim ao
tumulto na cadeia e que só dispararam contra os presos em legítima defesa
porque eram ameaçados e agredidos por eles. Além do total de presos mortos no
Carandiru, 87 detentos ficaram feridos. Nenhum dos PMs foi morto ou ferido a
bala naquele dia, mas 23 policiais também se machucaram.
“Não há o que se falar em assassinato e execução. Não houve
massacre. Meus clientes agiram de acordo com a lei e responderam quando foram
atacados pelos detentos”, afirmou a advogada Ieda Ribeiro de Souza, que pedirá
aos jurados a absolvição de todos os réus. Ela informou ainda que pediu nesta
segunda-feira à Justiça o sigilo na divulgação dos nomes dos réus. Até esta
tarde, entretanto, o nome deles constava no processo do caso disponível no site
do Tribunal de Justiça de São Paulo. Questionada, a defensora disse não
entender por que os nomes dos ainda aparecem no site do TJ. Em sua opinião,
seus clientes poderiam sofrer ameaças de facções criminosas.
Segundo a defensora dos PMs, um dos argumentos da defesa
será o fato de não existir até agora nenhuma prova técnica que indique qual
policial matou um determinado preso. “O grande problema da acusação será
conseguir individualizar a conduta de cada PM. A lei exige essa
individualização para se condenar alguém.
Mas a própria Polícia Técnico
Científica informou recentemente que nunca realizou a perícia do confronto
balístico, entre as 388 armas apreendidas dos PMs e as balas encontradas nos
corpos dos presos, por que nunca houve condições técnicas para se realizar
isso”, afirmou Ieda de Souza.
Entre as testemunhas solicitadas pela defesa dos PMs estão
Luiz Antonio Fleury Filho, então governador de SP à época. Pedro Franco Campos,
que foi secretário da Segurança Pública do estado, também foi arrolado. Ainda
foram chamados agentes penitenciários.
As 350 cadeiras do plenário dez deverão acomodar parentes
das vítimas e dos acusados, jornalistas e o público que quiser assistir ao
júri.
As testemunhas ficarão isoladas entre si e do público
durante o júri e só serão liberadas após prestarem depoimento. Elas dormirão no
Fórum de Santana, na Zona Norte. Os jurados, porém, só voltarão para suas
residências após o julgamento. Durante esse tempo, descansarão no Fórum da
Barra Funda. De acordo com o TJ, R$ 8 mil serão gastos só com a alimentação.
Fonte: Site G1
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