De acordo com Lenio Streck, uma Constituição nova exige
novos modos de a compreender. No entanto, o imaginário jurídico de antes de
1988 era formalista-positivista e sem consistência teórica. E, quando veio a
Constituição, os juristas brasileiros não tinham uma teoria constitucional apta
ao enfrentamento dos desafios de um complexo texto como esse. Então, segundo ele,
passaram a importar teorias estrangeiras.
“Não formamos uma teoria
constitucional adequada. Veio 1988, botamos todas as nossas promessas no texto
constitucional e não tínhamos uma teoria adequada. Ficamos numa ressaca
constitucional”, reflete o professor.
As principais recepções hermenêuticas (interpretativas do
Direito) equivocadas, segundo Streck, foram a jurisprudência dos valores
alemães, a teoria da argumentação do jurista alemão Robert Alexy e o ativismo
norte-americano. “A primeira foi incorporada de forma descontextualizada,
porque, na Alemanha, havia razões históricas para que se buscasse uma espécie
de ’busca de valores’ para além dos textos jurídicos. A segunda foi mal
compreendida, provocando aquilo que venho chamando de pan-principiologismo,
pelo qual há uma verdadeira bolha especulativa de princípios.
Há princípios de
todo tipo e a maioria não possui qualidade normativa. Logo, são qualquer coisa,
menos princípios. Já a terceira ingressou como uma espécie de ’moda’, como se
nos Estados Unidos o ativismo tivesse sido um sentimento constitucional e não
fruto de contingenciamentos”, relata o professor. O resultado disso, de acordo
com ele, foi a instalação do “caos” no nosso sistema jurídico. E, como
consequência desse “caos interpretativo”, o sistema construiu antídotos, como a
súmula vinculante, a repercussão geral e a chamada “jurisprudência defensiva”,
com inúmeros impeditivos de recursos para as instâncias superiores.
Elefante por trás da formiga
Lenio Streck acredita que a tarefa da Academia, dos juristas
que estão preocupados com a efetividade da Constituição, é a de elaborar os
discursos para desalojar esse caos, conforme ele cunhou metaforicamente, o
“elefante” que se esconde atrás da “formiga”. “O óbvio é safado, ele se
esconde”, brincou o professor.
Um exemplo significativo apresentado por ele é o fato de,
até pouco tempo atrás, o estupro ser considerado um crime contra os costumes.
“Veja como o legislador esconde uma questão de classes atrás de um bem jurídico
chamado costumes. Os tribunais da República não conseguiam entender que esse
dispositivo era inconstitucional”, pontua o professor.
“Hoje temos o juiz boca da lei e o juiz dos princípios,
aquele que pega os princípios como valores e moraliza o direito”, compara
Streck. Se a Nação depende do perfil desse segundo tipo juiz que, segundo ele,
decide conforme seus princípios, não tem uma verdadeira democracia.
Crítica ao STF
O professor faz uma crítica ao mandado de segurança julgado
em liminar pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em
ação que pedia a interrupção do mandato do deputado federal Natan Donadon. “O
Supremo não é o guardião da moral da Nação”, afirma. Ele explica que, até o
caso do senador Ivo Cassol, que também foi condenado criminalmente, o STF vinha
decidindo que os parlamentares condenados devem ter perda imediata de mandato.
Após a entrada de Barroso no Tribunal, segundo ele, o STF passou a decidir que
quem deve determinar a perda de mandato é o Congresso Nacional, inclusive no caso
do Donadon. “É sempre tentador no Brasil criar crises onde elas não existem.
Houve um erro do Parlamento facilmente corrigível. Isso fez com que houvesse um
mandado de segurança impetrado pelo deputado Carlos Sampaio”, criticou Lenio
Streck. O ministro Barroso, na concepção do professor, cometeu um equívoco, ao
vincular a perda de mandato ao tempo de condenação do réu.
“O tribunal que julga por argumentos metajurídicos assume
uma postura apartada da normatividade”, afirma Streck. O ministro Barroso, de acordo
com ele, fez uma alusão à moral, como se argumentos morais pudessem corrigir o
Direito. “Direito não é moral, não é sociologia, não é filosofia, é um conceito
interpretativo e encontra resposta nas leis, não na vontade individual do
aplicador da lei”, defende. Ele frisou que isso não quer dizer que o Direito
ignora a moral, mas, quando é aplicado, não pode olvidar os princípios. “O juiz
decide por princípios e não por política e por moral. Não podemos fazer
gambiarras ou puxadinhos hermenêuticos”, ressalta.
Ele avalia que o País avançou muito, melhorou muito a
qualidade dos seus juízes, mas ainda carece de efetividade e de qualidade no
ensino jurídico. De acordo com ele, os concursos públicos para os cargos
jurídicos, hoje em dia, se assemelham mais a quiz shows, e as aulas
preparatórias têm foco nos “resumos dos resumos dos resumos”. “Alteremos os
concursos públicos e as universidades terão que adaptar os seus currículos. Não
vamos deixar o Direito se transformar em pret-a-porter. O Direito é um fenômeno
complexo, desculpe, se fosse fácil seria uma periguete”, brinca o professor.
Ministro Humberto Martins
O ministro Humberto Martins, do STJ, presidiu a mesa na qual
Lenio Streck foi palestrante. Ao apresentar o palestrante, o ministro conclamou
todos os presentes a participarem ativamente do evento. “Aqui vamos discutir
nossas vidas. Este é um tema de grande importância não só para os operadores do
Direito, mas para todos que exercem a cidadania brasileira”, afirmou o
ministro.
A Constituição de 1988, segundo o ministro, é a Constituição do
presente preocupada com o futuro. Representa, no entendimento do ministro, a
construção de uma cidadania mais ampla, onde os nossos direitos serão
exercidos. “Quando falamos de cidadania, falamos também deste tribunal, do
STJ”, lembrou Humberto Martins. O ministro parabenizou aos organizadores do
seminário, em especial o ministro Arnaldo Esteves Lima, corregedor-geral da
Justiça Federal e diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da
Justiça Federal (CJF), que promove o evento.
Fonte: Site do STJ
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