O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão do processo militar instaurado contra civis acusados de falsificação de documento emitido pela Marinha do Brasil. A decisão foi tomada em caráter liminar, até o julgamento final do Habeas Corpus (HC) 106171, em que a Defensoria Pública da União pede o trancamento do processo, alegando incompetência da Justiça Militar para julgar civis.
A Defensoria Pública da União contesta decisão do Superior Tribunal Militar (STM) que configurou a prática da falsificação do documento como crime militar e negou o pedido de liminar. No entendimento do STM, “revestida de fé pública, eventual adulteração nos dados originais de Caderneta de Inscrição e Registro repercute negativamente na credibilidade das instituições militares e atenta contra a ordem administrativa militar”. Assim, para o STM, o julgamento do caso é de competência da Justiça Militar da União.
Na avaliação do ministro, a Justiça Militar da União possui jurisdição penal sobre civis em relação a delitos castrenses em casos excepcionais, seja em tempos de paz ou de guerra. Observa que a submissão de civis à jurisdição de tribunais militares em tempos de paz possui um “caráter anômalo” e é interpretada pela Suprema Corte de forma estrita.
Para o ministro Celso de Mello, “a tentativa de o Poder Público pretender sujeitar, arbitrariamente, a tribunais castrenses, em tempo de paz, réus civis, fazendo instaurar, contra eles, perante órgãos da Justiça Militar da União, fora das estritas hipóteses legais, procedimentos de persecução penal, por suposta prática de crime militar, representa clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, LIII)”.
Outros países
Em sua decisão o ministro destacou que o ordenamento positivo de alguns países de perfil democrático tende à exclusão de civis da esfera de jurisdição penal militar. Citou como exemplos textos constitucionais de Portugal, Colômbia, Paraguai, México e Uruguai e ainda a Lei Federal 26.394/08 da Argentina.
Lembrou decisão de 2005 em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou ao governo do Chile que estabelecesse limites legais de competência dos tribunais militares. Pela decisão, em nenhuma circunstância um civil pode ser submetido à jurisdição dos tribunais penais militares.
Liminar
Antes de conceder a liminar, o ministro Celso de Mello afirmou que o Supremo Tribunal Federal, em casos idênticos, tem firmado entendimento de que não se configura a competência da Justiça Militar da União, em tempos de paz, tratando-se de réus civis, “se a ação eventualmente delituosa, por eles praticada, não afetar, de modo real ou potencial, a integridade, a dignidade, o funcionamento e a respeitabilidade das instituições militares que constituem, em essência, os bens jurídicos penalmente tutelados”.
Assim, ao destacar a importância do princípio constitucional do juiz natural, segundo o qual "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" o ministro Celso de Mello acolheu o pedido da Defensoria Pública e deferiu a liminar.
“Reconheço configurada, no caso, a absoluta incompetência da Justiça Militar da União, para processar e julgar os ora pacientes, que são civis, a quem se imputou a prática de delito que, evidentemente, não se qualifica como crime de natureza militar”, afirmou o ministro ao determinar o trancamento do processo que tramita contra os réus na Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar.
Processo relacionado: HC 106171.
(Fonte: Supremo Tribunal Federal)
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