A divulgação dos cadernos de
provas do VII Exame da OAB realizado ontem, 27 de maio, assim como dos
respectivos gabaritos, levou a que muitos professores – especialmente os que
ministram aulas nos cursinhos preparatórios para o exame – a avaliarem a prova
como difícil, algumas com grau de dificuldade oito, numa escala de 0 a 10. A
prova de processo penal, inclusive, foi uma das que se atribuiu um dos maiores
índices de dificuldade.
Comentarei as questões de Direito
Penal, publicadas pelo Blog ontem, antes mesmo da divulgação do gabarito
oficial, considerando, agora, o gabarito da FGV.
Das seis questões propostas
entendo que duas delas apresentavam grau de dificuldade maior - a do Zenão e do Górgias e a que envolvia o
crime de violação de sepultura. As demais, reputo como questões singelas, que
não ofereciam maior dificuldade na sua resolução.
Vejamos:
A questão do Filolau versa sobre
tentativa criminosa em delito de estupro, envolvendo ainda, conhecimentos sobre
desistência voluntária, arrependimento eficaz e, até, de crime impossível.
A assertiva correta para a
solução da questão é, de fato, aquela que sustenta ter havido tentativa de
estupro. No caso, não há desistência voluntária porque Filolau não desistiu de
prosseguir na execução voluntariamente e, sim, desistiu de consumar o crime por
circunstâncias alheias à sua vontade, atendendo, bem, ao conceito de tentativa,
previsto no artigo 14, II do CPB. Também não havia como se considerar
arrependimento eficaz, porque para esse instituto é exigível que o sujeito
realize a integridade dos atos executórios e, depois, arrependido, realize
outro(s) comportamento(s) capaz de neutralizar os efeitos do primeiro – o que
também não é caso. Também não seria adequado dizer que o fato é atípico –
considerando a existência de crime impossível – porque a impotência de Filolau
não é condição que impeça a própria consumação do estupro, menos, ainda, a sua
tentativa. Daí que não se pode dizer que o meio para cometer o crime é
ineficaz, já que não se exige, para a consumação do estupro, introdução
completa do pênis na vagina da vítima.
A questão de Pitágoras envolvia
execução penal. Também nela não vi qualquer dificuldade eis que a LEP
estabelece, expressamente, que quando há condenação por mais de um crime, no
mesmo processo ou em distintos, a determinação do regime será feita
considerando o resultado da soma ou unificação das penas, observando, também,
quando for o caso, as situações de detração ou remição (que não cabem nesta
questão).
Assim, como houve condenação por
um crime a 6 anos e, noutro, a 3, a soma das penas é de 9 anos. Assim, conforme
artigo 33 e seus parágrafos (regra para aplicação dos regimes), sendo a pena
fixada em patamares superiores a 8 anos - que é o caso – deve o condenado cumprir a pena em regime inicial fechado
(artigos 110 e 111 da LEP)
A questão do Zenão e do Górgias
é, em minha opinião, a mais complexa. Tem um enunciado longo, meio truncado, e
as assertivas são pouco comuns na forma como foram estabelecidas. Além disso, a
questão envolve uma controvérsia doutrinária que permitiria aceitar como
gabarito tanto a assertiva ‘a’ – dada da FGV como a correta – e a assertiva ‘b’.
O enunciado conduz o candidato a
pensar que está diante de uma autoria colateral. Porém, a assertiva de resposta
que versa sobre esse tema, não corresponde ao enunciado, eis que ele é claro em
afirmar que ambos, Zenão e Górgias, queriam matar Tales e, por isso, não
haveria como existir crime culposo. Nem mesmo se houvesse concurso de agentes,
o crime culposo não teria lugar. Eliminadas estariam as assertivas ‘c’ e ‘d’.
Restariam, então, as assertivas ‘a’ – tida como gabarito – e a assertiva ‘b’. Bem,
sem dúvida a assertiva ‘a’, embora estranha na sua forma de redação, está
correta, pois que se ambos, Zenão e Górgias estivessem agindo em concurso de
agentes, responderiam por crime de homicídio doloso qualificado consumado, pois
o somatório das condutas de ambos – ao ministrarem cada um a dose de veneno –
conduziu ao óbito Tales. O mesmo não
ocorreria fosse a autoria incerta – decorrente da autoria colateral - hipótese
em que, sem saber quem de verdade matou, ambos responderiam por crime de homicídio
doloso qualificado tentado.
A assertiva, ‘b’ contudo, também
permitiria o acerto, porque no concurso de agentes não há necessidade de
combinação prévia, e sim de liame subjetivo. Portanto, mesmo sem ajuste prévio –
mas diante de liame subjetivo – ambos os agentes, Zenão e Górgias, responderiam
por crime de homicídio doloso qualificado consumado, não estando incorreta a
assertiva ‘b’.
Questão passível de recurso, para
anulação.
A questão do Baco também não é difícil, desde que o candidato
tivesse a noção exata da diferença entre receptação e favorecimento real. Baco
subtrai um carro e, depois de fazê-lo, pede a sua amiga Minerva para esconder o
carro para ele. Não há crime de participação em furto, porque quando Baco pede
auxílio de Minerva ele já havia realizado a subtração. Não há receptação,
porque ao aceitar esconder o veículo Minerva não tem qualquer intenção de lucro
(já que se trata de crime patrimonial), pois o agente que recepta tem a
finalidade de agir em proveito próprio ou alheio, isto é, atua em benefício próprio
ou de terceira pessoa, diversa daquela que é a autora do crime antecedente. Pois
aqui na questão em comento, Minerva não tinha essa finalidade e, por isso,
incorreu em crime contra a administração da justiça, sem qualquer finalidade
lucrativa, apenas com a intenção de auxiliar o autor do crime anterior.
A questão do John versa sobre aplicação da lei penal no espaço,
sobre territorialidade, que exigia do candidato conhecer o conceito de território
e tudo o que ele compreende. O enunciado fala de um crime de homicídio
praticado por um brasileiro contra um americano, dentro de uma embarcação
privada de bandeira americana, mas que está atracada em porto brasileiro. Pois
estando as aeronaves ou embarcações privadas estrangeiras em espaço aéreo
brasileiro ou em porto brasileiro, a lei penal brasileira é a aplicável. Somente
se estivesse em alto mar a embarcação, ou em espaço aéreo internacional, a
bandeira regeria a aplicação da lei penal. Disposição expressa no artigo 5º,
parágrafo segundo do CPB e que não demandava maiores indagações.
A última questão a analisar é a da violação de sepultura. Está também
é uma das que reputo passíveis de discussão, eis que a assertiva dada como
correta é alvo de divergência doutrinária. Por eliminação, o candidato
alcançava a assertiva ‘a’ como a única capaz de satisfazer o enunciado que
exigia fosse marcada a alternativa correta. Por exclusão, a letra ‘b’ não
satisfaz porque crime de infanticídio admite, sim, a co-autoria, porque a
elementar que o faz crime próprio – estado puerperal – é circunstância de caráter
pessoal elementar do crime e, por isso, se comunica entre os agentes (artigo 30
do CPB); A letra ‘c’ também não é correta, porque não há, no direito penal, em
qualquer modalidade delituosa, a chamada compensação de culpas. Mesmo que a vítima
concorra para o crime culposo, se o agente deu causa ao resultado por um agir
descuidado e previsível, ele deverá responder pelo delito; por fim, não seria a
letra ‘d’ – essa com um ‘pega ratão’ (na linguagem dos acadêmicos), porque o
crime de homicídio privilegiado ocorre quando o agente atua sob domínio de
violenta emoção – e não influência – e desde que logo em seguida a injusta
provocação da vítima.
Assim, restaria, por eliminação,
a assertiva ‘a’, eis que se o agente viola sepultura e há ausência de cadáver
ou de restos mortais – estando vazia a mesma – não existe crime, já que haveria
crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto. Não obstante há autores que chamam atenção
para o seguinte fato: se o que deseja o agente é violar a sepultura, para ultrajar
a memória do morto, e ela está vazia, é certo que não há o crime de violação de
sepultura; porém, se a intenção do sujeito é subtrair ossadas, e não as
encontra, o crime impossível é o relativo ao crime que corresponde a sua intenção
(de subtrair) subsistindo, contudo, o delito de violação de sepultura.
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