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segunda-feira, maio 28

Atualização: Comentários sobre as questões de Direito Penal do VII Exame da OAB



 A divulgação dos cadernos de provas do VII Exame da OAB realizado ontem, 27 de maio, assim como dos respectivos gabaritos, levou a que muitos professores – especialmente os que ministram aulas nos cursinhos preparatórios para o exame – a avaliarem a prova como difícil, algumas com grau de dificuldade oito, numa escala de 0 a 10. A prova de processo penal, inclusive, foi uma das que se atribuiu um dos maiores índices de dificuldade.

Comentarei as questões de Direito Penal, publicadas pelo Blog ontem, antes mesmo da divulgação do gabarito oficial, considerando, agora, o gabarito da FGV.

Das seis questões propostas entendo que duas delas apresentavam grau de dificuldade maior  - a do Zenão e do Górgias e a que envolvia o crime de violação de sepultura. As demais, reputo como questões singelas, que não ofereciam maior dificuldade na sua resolução.

Vejamos:

A questão do Filolau versa sobre tentativa criminosa em delito de estupro, envolvendo ainda, conhecimentos sobre desistência voluntária, arrependimento eficaz e, até, de crime impossível.

A assertiva correta para a solução da questão é, de fato, aquela que sustenta ter havido tentativa de estupro. No caso, não há desistência voluntária porque Filolau não desistiu de prosseguir na execução voluntariamente e, sim, desistiu de consumar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade, atendendo, bem, ao conceito de tentativa, previsto no artigo 14, II do CPB. Também não havia como se considerar arrependimento eficaz, porque para esse instituto é exigível que o sujeito realize a integridade dos atos executórios e, depois, arrependido, realize outro(s) comportamento(s) capaz de neutralizar os efeitos do primeiro – o que também não é caso. Também não seria adequado dizer que o fato é atípico – considerando a existência de crime impossível – porque a impotência de Filolau não é condição que impeça a própria consumação do estupro, menos, ainda, a sua tentativa. Daí que não se pode dizer que o meio para cometer o crime é ineficaz, já que não se exige, para a consumação do estupro, introdução completa do pênis na vagina da vítima.

A questão de Pitágoras envolvia execução penal. Também nela não vi qualquer dificuldade eis que a LEP estabelece, expressamente, que quando há condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em distintos, a determinação do regime será feita considerando o resultado da soma ou unificação das penas, observando, também, quando for o caso, as situações de detração ou remição (que não cabem nesta questão).
Assim, como houve condenação por um crime a 6 anos e, noutro, a 3, a soma das penas é de 9 anos. Assim, conforme artigo 33 e seus parágrafos (regra para aplicação dos regimes), sendo a pena fixada em patamares superiores a 8 anos - que é o caso – deve o condenado  cumprir a pena em regime inicial fechado (artigos 110 e 111 da LEP)

A questão do Zenão e do Górgias é, em minha opinião, a mais complexa. Tem um enunciado longo, meio truncado, e as assertivas são pouco comuns na forma como foram estabelecidas. Além disso, a questão envolve uma controvérsia doutrinária que permitiria aceitar como gabarito tanto a assertiva ‘a’ – dada da FGV como a correta – e a assertiva ‘b’.

O enunciado conduz o candidato a pensar que está diante de uma autoria colateral. Porém, a assertiva de resposta que versa sobre esse tema, não corresponde ao enunciado, eis que ele é claro em afirmar que ambos, Zenão e Górgias, queriam matar Tales e, por isso, não haveria como existir crime culposo. Nem mesmo se houvesse concurso de agentes, o crime culposo não teria lugar. Eliminadas estariam as assertivas ‘c’ e ‘d’. Restariam, então, as assertivas ‘a’ – tida como gabarito – e a assertiva ‘b’. Bem, sem dúvida a assertiva ‘a’, embora estranha na sua forma de redação, está correta, pois que se ambos, Zenão e Górgias estivessem agindo em concurso de agentes, responderiam por crime de homicídio doloso qualificado consumado, pois o somatório das condutas de ambos – ao ministrarem cada um a dose de veneno – conduziu ao óbito Tales.  O mesmo não ocorreria fosse a autoria incerta – decorrente da autoria colateral - hipótese em que, sem saber quem de verdade matou, ambos responderiam por crime de homicídio doloso qualificado tentado.
A assertiva, ‘b’ contudo, também permitiria o acerto, porque no concurso de agentes não há necessidade de combinação prévia, e sim de liame subjetivo. Portanto, mesmo sem ajuste prévio – mas diante de liame subjetivo – ambos os agentes, Zenão e Górgias, responderiam por crime de homicídio doloso qualificado consumado, não estando incorreta a assertiva ‘b’.
Questão passível de recurso, para anulação. 


A questão do Baco também não é difícil, desde que o candidato tivesse a noção exata da diferença entre receptação e favorecimento real. Baco subtrai um carro e, depois de fazê-lo, pede a sua amiga Minerva para esconder o carro para ele. Não há crime de participação em furto, porque quando Baco pede auxílio de Minerva ele já havia realizado a subtração. Não há receptação, porque ao aceitar esconder o veículo Minerva não tem qualquer intenção de lucro (já que se trata de crime patrimonial), pois o agente que recepta tem a finalidade de agir em proveito próprio ou alheio, isto é, atua em benefício próprio ou de terceira pessoa, diversa daquela que é a autora do crime antecedente. Pois aqui na questão em comento, Minerva não tinha essa finalidade e, por isso, incorreu em crime contra a administração da justiça, sem qualquer finalidade lucrativa, apenas com a intenção de auxiliar o autor do crime anterior.

A questão do John versa sobre aplicação da lei penal no espaço, sobre territorialidade, que exigia do candidato conhecer o conceito de território e tudo o que ele compreende. O enunciado fala de um crime de homicídio praticado por um brasileiro contra um americano, dentro de uma embarcação privada de bandeira americana, mas que está atracada em porto brasileiro. Pois estando as aeronaves ou embarcações privadas estrangeiras em espaço aéreo brasileiro ou em porto brasileiro, a lei penal brasileira é a aplicável. Somente se estivesse em alto mar a embarcação, ou em espaço aéreo internacional, a bandeira regeria a aplicação da lei penal. Disposição expressa no artigo 5º, parágrafo segundo do CPB e que não demandava maiores indagações.


A última questão a analisar é a da violação de sepultura. Está também é uma das que reputo passíveis de discussão, eis que a assertiva dada como correta é alvo de divergência doutrinária. Por eliminação, o candidato alcançava a assertiva ‘a’ como a única capaz de satisfazer o enunciado que exigia fosse marcada a alternativa correta. Por exclusão, a letra ‘b’ não satisfaz porque crime de infanticídio admite, sim, a co-autoria, porque a elementar que o faz crime próprio – estado puerperal – é circunstância de caráter pessoal elementar do crime e, por isso, se comunica entre os agentes (artigo 30 do CPB); A letra ‘c’ também não é correta, porque não há, no direito penal, em qualquer modalidade delituosa, a chamada compensação de culpas. Mesmo que a vítima concorra para o crime culposo, se o agente deu causa ao resultado por um agir descuidado e previsível, ele deverá responder pelo delito; por fim, não seria a letra ‘d’ – essa com um ‘pega ratão’ (na linguagem dos acadêmicos), porque o crime de homicídio privilegiado ocorre quando o agente atua sob domínio de violenta emoção – e não influência – e desde que logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Assim, restaria, por eliminação, a assertiva ‘a’, eis que se o agente viola sepultura e há ausência de cadáver ou de restos mortais – estando vazia a mesma – não existe crime, já que haveria crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto.  Não obstante há autores que chamam atenção para o seguinte fato: se o que deseja o agente é violar a sepultura, para ultrajar a memória do morto, e ela está vazia, é certo que não há o crime de violação de sepultura; porém, se a intenção do sujeito é subtrair ossadas, e não as encontra, o crime impossível é o relativo ao crime que corresponde a sua intenção (de subtrair) subsistindo, contudo, o delito de violação de sepultura. 

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