Condutor de veículo que não demonstra redução na capacidade psicomotora, mesmo que tenha ingerido álcool além do limite tolerável, não comete crime de trânsito.
Dessa forma, se a alteração não for comprovada, deve ser absolvido com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Com este fundamento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um motociclista flagrado ao dirigir alcoolizado.
O colegiado reformou a sentença condenatória por entender que os autos do processo não mostraram que o autor estivesse com o comportamento alterado no momento da abordagem policial, embora o bafômetro atestasse graduação alcoólica elevada no sangue.
Primeiramente, o relator da Apelação-Crime, desembargador Nereu Giacomolli, explicou que deveria ser aplicada ao caso não a redação do artigo 306 da Lei 11.705/08 — que acabou condenando o autor na primeira instância —, mas a alteração feita pela Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012.
‘‘Se, antes, o caput do artigo 306 dispunha ser crime o ato de ‘conduzir veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue superior a 6dg’, agora esse dispositivo, no seu caput, não mais prevê a graduação alcoólica, mas, sim, a ‘condução do veículo com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de substância psicoativa’.
Então, é imprescindível a comprovação da alteração da capacidade psicomotora, pois elementar normativa do tipo penal em questão’’, discorreu.
Neste sentido, o desembargador deu especial relevo ao depoimento do policial que fez a abordagem, que não apontou indicativos de alteração na capacidade psicomotora do réu.
O depoimento, assim como o exame clínico, a perícia ou vídeo, é meio de prova admitido pela nova legislação.
Embora os fatos apontados na denúncia criminal tenham se passado em 2011, sob o amparo da redação anterior daquele artigo, deve ser aplicada retroativamente ao réu a lei penal mais benigna. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 9 de maio de 2013.
O caso
O fato que gerou denúncia criminal por parte do Ministério Público do RS aconteceu no dia 16 de abril de 2011, na cidade de Montenegro. O motociclista foi parado pela Brigada Militar, em uma fiscalização de trânsito de rotina.
Submetido ao teste de alcoolemia, o bafômetro constatou concentração alcoólica no sangue superior a seis decigramas.
De acordo com a Resolução 206/2006, do Conselho Nacional de Trânsito, o limite de concentração é de 0,3 miligrama por litro.
O motociclista acabou condenado à revelia como incurso no artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503/97, com redação dada pela Lei 11.705/2008) — conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou substância psicoativa.
A sentença do juízo da comarca lhe impôs pena de seis meses de reclusão, multa e suspensão da habilitação por seis meses. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direito, além do pagamento de um salário-mínimo em favor de alguma entidade.
Desta decisão, a defesa entrou com recurso de Apelação no TJ-RS.
Preliminarmente, suscitou a inconstitucionalidade do delito tipificado no artigo 306 do CTB. No mérito, pediu a absolvição do autor por insuficiência de provas, pela ausência de comprovação da regularidade do aparelho de bafômetro, nos termos da resolução 206 do Contran.
ACÓRDÃO DISPONÍVEL
Fonte: Site Conjur
Um comentário:
Professora, esse acórdão veio confirmar o entendimento que tenho, como delegado, desde a nova redação do CTB!
O que diz a redação reformada do CTB?
"Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora."
Aqui divergem as interpretações jurídicas.
O meu entendimento, e de muitos delegados, promotores, juízes e advogados, é o que segue.
No caput do artigo temos uma subjetividade ("capacidade psicomotora alterada etc"), e no § 1º, I, uma descrição objetiva ("tanto" de álcool no sangue equivale ao crime). A meu ver, essa mistura espúria entre narrativa subjetiva no caput e objetiva no inciso I, é que complica a coisa para uma possível constitucionalidade da lei. Na redação original do CTB, a coisa era objetiva: comete crime quem está dirigindo com determinada quantidade de álcool no sangue. Ponto. O crime narrado no caput era ter "tanto" de álcool no sangue e não estar embrigado.
Era ruim, era arbitrário, mas não misturava objetivo com subjetivo. Agora o crime é de dirigir com a capacidade psicomotora alterada, algo subjetivo, e que é bom, a meu ver, pois cada organismo é um. O problema é o inciso I dizer que essa subjetividade se mede por algo objetivo. Isso despersonaliza as coisas.
Se o cerne do artigo é a capacidade alterada, a mera reprovação no bafômetro não pode ser presunção absoluta, pois no caput se fala de alteração da capacidade - algo subjetivo - e depois, no inciso, que isso deve ser provado por teste de etilômetro - algo objetivo. Há uma incongruência aí que deve ser resolvida pro reo.
A presunção da alteração da capacidade psicomotora conforme o § 1º, I, não é absoluta, mas relativa.
Aliás, o Art. 3º, § 1º, da Resolução 432/2013 do CONTRAN, que disciplinou a nova normativa do CTB, ao menos numa lida rápida, dá a entender isso. Não basta reprovar no bafômetro, tem que ver o conjunto dos sinais.
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