No Brasil, as mais diversas práticas delituosas com a participação de adolescentes menores de dezoito anos têm ensejado, em torno do assunto, debates acerca da necessidade de diminuição da faixa etária que dá início a responsabilidade penal.
Em nosso Código Penal a norma do artigo 27 dispõe que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, estando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Justifica-se a disposição, pela adoção de critério puramente biológico para presumir, absolutamente, a inimputabilidade desses adolescentes, desconsiderando, por completo, o desenvolvimento mental deles, ou seja, sua capacidade ou não de discernimento.
Razões de política criminal levaram o ordenamento brasileiro a optar pela presunção absoluta de inimputabilidade do menor de dezoito anos. Nesse sentido, inclusive, a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 ( até hoje vigente, com as principais alterações introduzidas em sua parte geral pela Lei 7.209/84) justificava a opção asseverando: "Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal".
Por isso, até os dias atuais, a responsabilidade penal dos menores de dezoito anos, autores de infrações penais, será apurada em via especial, regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90, que estabelece as medidas adequadas à idade da criança ou adolescente infrator, e também à gravidade do fato cometido.
No Brasil, a discussão sobre o rebaixamento da idade para imputabilidade penal advém de uma série de fatores, sendo os principais:
a) o crescimento da criminalidade juvenil, ou seja, o número de adolescentes envolvidos, nos últimos anos, em práticas delituosas;
b) a influência de paises latino-americanos e europeus que procederam, a pretexto de conter a criminalidade dos jovens o rebaixamento da idade para responsabilidade penal. Exemplos como a Itália e a Alemanha, nos quais os menores na faixa etária dos catorze aos dezoito anos são imputáveis se tiverem capacidade de entendimento e vontade, somados a Portugal, Chile, Cuba, Bolívia e Argentina, que fixam em 16 anos o início da responsabilidade penal, acabaram por fomentar o debate que já vinha sendo travado. Além desses países, em termos de Direito Comparado, podemos referir os Códigos Penais Russo e Chinês, que reduzem para 14 anos a responsabilidade penal, em crimes como Homicídio, Lesões Corporais Graves e outros e o Código Penal Francês que chega ao exagero de reduzir a maioridade penal para os 13 anos de idade.
c) os aspectos contraditórios existentes em nossa legislação que, em que pese considerar irresponsáveis penalmente os menores de 18 anos, faculta, aos menores de 16 anos, a escolha de seus representantes políticos, inclusive o Presidente da República. Essa faculdade implica, também, capacidade potencial para prática de qualquer ilícito penal decorrente da legislação eleitoral - crimes eleitorais -, sem que possam ser responsabilizados por seus atos, como pessoas plenamente capazes.
d) a necessidade de diminuir, pela ameaça da pena, o número de infrações penais envolvendo principalmente adolescentes.
e) a pressão exercida pela mídia, que ao noticiar casos chocantes e estarrecedores conduz a uma ideia de necessidade premente da adoção de medidas extremas de punição.
f) a ideia que está contida no imaginário, no senso comum, de que não existem respostas jurídico-penais em se tratando de práticas delituosas realizadas por adolescentes.
Não obstante a existência dessas razões - de fundado conteúdo - muitas críticas podem ser estabelecidas frente às mesmas.
Em primeiro lugar, com relação ao aumento da criminalidade juvenil, poder-se-ía argumentar que o momento histórico que vivemos hoje não é mais ou menos violento do que outros já experimentados. A facilidade e rapidez com que os fatos delituosos, de regra e, em especial, aqueles que envolvem adolescentes, nos chegam ao conhecimento através dos meios de comunicação pode dar a idéia, muitas vezes falsa, do aumento alarmante da criminalidade juvenil. Corrobora essa idéia o fato de que, no ano de 1940, quando da entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, a exposição de motivos - acima transcrita - já referia à criminalidade crescente que a cada dia recrutava maior número de adolescentes.
De outra parte, justificar o rebaixamento da idade em nosso país levando em conta que outros paises latino-americanos e europeus procederam nesse sentido também não é suficientemente seguro, e tampouco indicado. É certo que muitos foram os paises europeus que atenderam ao clamor social e rebaixaram seus limites de idade para responsabilidade penal. Entretanto, convém lembrar, que o Código Penal Espanhol - Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro - um dos mais modernos, em termos europeus, em seu artigo dezenove, elevou de dezesseis para dezoito anos a idade para atribuir-se responsabilidade penal.
Não é seguro, tampouco indicado, porque não é suficiente copiar modelos, revogar artigos, prever novos parâmetros etários para o início da responsabilidade penal. Antes, é necessário discutir sobre os verdadeiros rumos a serem adotados em termos de política criminal e, em caso de mudança na idade limite para a imputabilidade penal, que ela venha, também, acompanhada de disposições secundárias que regulem toda a situação que está a envolver o adolescente infrator, como, por exemplo, tipos de penas a serem aplicadas, modo de executá-las, local adequado ao cumprimento das mesmas etc.
O rebaixamento da idade para responsabilidade penal poderia ser adotado desde que fosse escolhida uma via alternativa, entre as disposições do Código Penal e as do Estatuto da Criança e do Adolescente, que permitisse uma responsabilidade penal diferenciada para os infratores jovens, na faixa etária dos dezesseis aos vinte e um anos. Ou, também, pequenos ajustes no artigo 112 do ECA poderiam retratar esta alteração. Poder-se-ia extrapolar, quando absolutamente necessário, e nas situações razoáveis previstas em lei, os limites de três anos de internação.
Assim, quanto a este aspecto, a redução da maioridade penal é impertinente, mas também, por outro lado, pode-se pensar não ser razoável a medida sócio educativa de internação fixada em tão somente três anos de internação.
Nesse sentido, as penas/medidas sócio-educativas, deveriam ter, sempre, um caráter educativo-preventivo, de forte natureza pedagógica; o modo de execução das mesmas deveria levar em conta, sempre, as condições pessoais do jovem apenado; os locais para cumprimento dessas sanções deveriam estar suficientemente preparados para recebê-los, com exclusividade, propiciando-lhes fundamentalmente, educação e trabalho, numa preparação para a vida futura em liberdade.
A tendência no sentido do rebaixamento de idade, sem as necessárias reformulações político-criminais é, para nós, inócua. Nessa discussão, não se trata apenas de indagar se um jovem de quatorze, quinze, dezesseis ou dezessete anos tem ou não capacidade de entendimento do caráter infracional do seu comportamento, mas de perguntar-se se a estrutura carcerária tem condições de recepcionar boa parcela de nossa juventude, atingida pela exclusão social, pela marginalização, pelo aumento da pobreza, pela desestruturação familiar, pelo desemprego, pela violência generalizada, pela prostituição e pela dependência da droga, que estaria condenada a viver, intramuros, nos estabelecimentos carcerários.
Todos sabemos, não há novidade alguma nisso, das condições prejudiciais, desconstrutivas, estigmatizantes do sistemas carcerários modernos. Estudos têm demonstrado que a pena e o encarceramento são prejudiciais, ainda mais em se tratando de jovens os seus destinatários..
Desse modo, os que entendem acertada a manutenção da idade da responsabilidade penal aos dezoito anos, em verdade, estão na defesa de uma parcela considerável de jovens que seriam também atingidos pelos malefícios provocados à massa carcerária adulta de número já tão expressivo em nosso país.
A desejada contenção da criminalidade juvenil, pela ameaça da sanção penal mais grave também não deve prosperar. Não são modernas as teses que demonstram que o agravamento das sanções, quer pela sua quantidade, quer pela sua qualidade, não tem o condão de conter criminalidade. Ainda mais quando se pensa a respeito do cumprimento efetivo das finalidades preventivas da sanção criminal.
Assim, a diminuição pura e simples do limite de idade para a imputabilidade penal também não resultará em diminuição do número de adolescentes infratores se vier desacompanhada de outras medidas políticos-criminais no sentido da proteção que se faz necessária ao jovem delinqüente. Do contrário, esta diminuição, converter-se-ía numa forma de incentivo à criminalidade.
Nessa questão acerca da diminuição da idade para imputabilidade penal não se trata, simplesmente, de tornar o menor legalmente maior, responsável penalmente por seus atos. Soluções isoladas e singulares, como esta, não são capazes de solucionar o problema da criminalidade juvenil.
Não há mais espaço, em termos de Direito Penal Moderno, para a punição pura e simples dos delinqüentes. Sem um tratamento humanitário, voltado à educação e ao trabalho, todo o discurso sobre a punição de adolescentes - com catorze, quinze dezesseis ou dezessete anos - é inútil. Para isso, é preciso vontade política de realizar, consciência coletiva do problema e iniciativas audaciosas, ainda que pequenas, por parte de toda a sociedade. E enquanto não se puder contar com políticas sérias no sentido da melhor distribuição da renda, condições de saúde, educação e lazer satisfatórios, não se poderá evitar a violência dos jovens, quer rebaixemos a idade da imputabilidade penal para 10 ou 16 anos. E, para isso, depende-se mais de ações concretas do que propriamente de leis, para realizar aquilo que ser quer, aquilo que melhor se pode.
Por fim, há, ainda, outra questão. Cabe ressaltar que a Constituição Federal dispõe, no artigo 228, que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Vale ressaltar que há juristas defensores da impossibilidade de reforma constitucional neste aspecto, pois entendem que se trata de direito individual, imune, portanto, a mudança por Emenda Constitucional, nos termos do artigo 60, parágrafo quarto, inciso IV. Este pode ser, também, um obstáculo para a mudança do artigo 228 da Constituição Federal, pois para estes juristas trata-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por nova Assembléia Constituinte.