Preso preventivamente havia 118 dias e denunciado por estuprar nove mulheres durante supostas consultas em uma clínica particular de Peruíbe, o médico B. C. F. G., de 64 anos, foi libertado por volta do meio-dia desta quarta-feira da Penitenciária II de Tremembé, no Vale do Paraíba.
Por 2 votos a 1, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) lhe concedeu habeas corpus para, além de restituir a liberdade, rejeitar a própria denúncia.
“Estou livre do processo criminal, mas sofri sequelas psicológicas e sociais terríveis, principalmente porque não fiz nada. Espero superar essa fase difícil com a ajuda de Deus. Sinto-me como se estivesse em um quadro de pós-embriaguez, sem conseguir raciocinar sobre o que fazer daqui para frente. Não sei se continuarei morando e trabalhando em Peruíbe”, desabafou o médico, casado, com quatro filhos e formado pela Universidade de São Paulo (USP).
Segundo os desembargadores Euvaldo Chaib e Salles de Abreu, a denúncia contra o médico – oferecida pelo promotor Cássio Conserino e recebida pela juíza Sheyla Romano dos Santos Moura – deve ser rejeitada pela falta de requisitos legais (pressuposto processual ou condição do exercício da ação penal), conforme dispõe o Artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal. Essa tese foi argumentada pelo advogado Eugênio Malavasi, defensor do médico.
O advogado sustentou oralmente no TJ-SP que, para o ajuizamento de ação penal por estupro, é necessário a vítima manifestar o desejo de ver o autor processado, porque o crime é de ação penal pública condicionada à representação (manifestação de vontade da parte ofendida), exceto se ela for menor de 18 anos ou não possuir discernimento necessário. E para ser válida, a representação deve ocorrer no prazo decadencial de seis meses.
Também de forma oral, o procurador de justiça Ailton Cocorutto manifestou-se pela negação do habeas corpus, obtendo o voto do desembargador Edison Brandão. Sob segredo de justiça, as sustentações orais ocorreram no último dia 4 de outubro. No dia 11, Brandão deu o seu voto e o habeas corpus foi retirado da pauta. Na última terça-feira, o julgamento foi retomado e concluído, sendo proferidos os votos de Chaib e Abreu.
Das nove supostas vítimas relacionadas na denúncia, apenas uma mulher, de 27 anos, ofereceu representação dentro do prazo legal. Segundo a sua mãe, em novembro de 2010, durante consulta, o médico tocou nas partes íntimas da sua filha inicialmente sem luvas, e depois com.
A jovem, ainda conforme a sua mãe, tinha um “furúnculo na parte externa da vagina”. Na mesma data, o caso foi registrado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Peruíbe.
Em paralelo ao inquérito policial, no qual não houve o indiciamento do médico por falta de provas, o promotor tomou os depoimentos das outras supostas vítimas em um procedimento de investigação criminal
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Ela ainda denunciou o acusado e requereu a sua preventiva, tendo o pedido acolhido pela juíza. Na delegacia, B. foi ouvido e negou o estupro. No procedimento do Ministério Público (MP), ele sequer chegou a apresentar a sua versão.
Segundo os desembargadores que concederam o habeas corpus, apesar da gravidade dos crimes sob apuração, a denúncia deve ser rejeitada porque ficou contaminada por vício insuperável, consistente na ausência de condição de procedibilidade (requisito para receber a denúncia). Ainda conforme eles, essa omissão reflete em toda a acusação formal do MP, não se podendo cogitar em aceitá-la em parte.
Fonte: Jornal A Tribuna