Peça Prático-Profissional
Rita, senhora de 60 anos, foi presa em
flagrante no dia 10/11/2011 (quinta-feira) ao sair da filial de uma grande rede
de farmácias após ter furtado cinco tintas de cabelo. Para subtrair os itens,
Rita arrebentou a fechadura do armário onde estavam os referidos produtos,
conforme imagens gravadas pelas câmeras de segurança do estabelecimento. O
valor total dos itens furtados perfazia a quantia de R$49,95 (quarenta e nove
reais e noventa e cinco centavos).
Instaurado inquérito policial, as
investigações seguiram normalmente. O Ministério Público, então, por entender
haver indícios suficientes de autoria, provas da materialidade e justa causa,
resolveu denunciar Rita pela prática da conduta descrita no Art. 155, § 4º,
inciso I, do CP (furto qualificado pelo rompimento de obstáculo). A denúncia
foi regularmente recebida pelo juízo da 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital
do Estado ‘X’ e a ré foi citada para responder à acusação, o que foi
devidamente feito. O processo teve seu curso regular e, durante todo o tempo, a
ré ficou em liberdade.
Na audiência de instrução e
julgamento, realizada no dia 18/10/2012 (quinta-feira), o Ministério Público
apresentou certidão cartorária apta a atestar que no dia 15/05/2012
(terça-feira) ocorrera o trânsito em julgado definitivo de sentença que
condenava Rita pela prática do delito de estelionato. A ré, em seu
interrogatório, exerceu o direito ao silêncio. As alegações finais foram orais;
acusação e defesa manifestaram-se. Finda a instrução criminal, o magistrado
proferiu sentença em audiência. Na dosimetria da pena, o magistrado entendeu
por bem elevar a pena-base em patamar acima do mínimo, ao argumento de que o
trânsito em julgado de outra sentença condenatória configurava maus
antecedentes; na segunda fase da dosimetria da pena o magistrado também
entendeu ser cabível a incidência da agravante da reincidência, levando em
conta a data do trânsito em julgado definitivo da sentença de estelionato, bem
como a data do cometimento do furto (ora objeto de julgamento); não verificando
a incidência de nenhuma causa de aumento ou de diminuição, o magistrado fixou a
pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão no regime inicial semiaberto e
80 (oitenta) dias-multa. O valor do dia-multa foi fixado no patamar mínimo
legal. Por entender que a ré não atendia aos requisitos legais, o magistrado
não substituiu a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
Ao final, assegurou-se à ré o direito de recorrer em liberdade.
O advogado da ré deseja recorrer
da decisão.
Atento ao caso narrado
e levando em conta tão somente as informações contidas no texto, elabore o
recurso cabível.
Gabarito Comentado
(FGV)
O examinando deverá elaborar
recurso de apelação, com fundamento no art. 593, I do CPP.
A petição de interposição deve
ser endereçada do Juiz da 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado
‘X’.
As razões deverão ser endereçadas
ao Tribunal de Justiça do Estado X.
Nas razões, o examinando deverá
arguir o seguinte:
I. Atipicidade da conduta pela
falta de tipicidade material: a subtração de cinco tintas de cabelo, embora
esteja adequada, formalmente, à conduta descrita no tipo penal, não importa em
efetiva lesão ao patrimônio da farmácia. Incide, portanto, o princípio da
insignificância. Assim, ausente a tipicidade material, a conduta é atípica.
II. Subsidiariamente, caso
mantida a condenação, requer a aplicação do privilégio contido no § 2º do
artigo 155 do CP, já que a coisa furtada é de pequeno valor (R$ 49,95), bem
como Rita seria considerada primária já que o furto foi cometido antes do
trânsito em julgado da condenação do crime de estelionato.
III. Impossibilidade de bis in
idem: o magistrado, ao utilizar uma mesma circunstância (trânsito em julgado da
sentença condenatória por crime de estelionato) para elevar a pena-base na
primeira fase da dosimetria e também para elevar a pena-intermediária na
segunda fase da dosimetria, feriu o princípio do ne bis in idem.
IV. Não configuração da
reincidência: o Art. 63, do Código Penal, disciplina que somente haverá
reincidência se o novo crime (no caso, o furto) for cometido após o trânsito em
julgado definitivo de sentença condenatória de crime anterior. Não foi esse o
caso da ré, pois o furto foi cometido antes do trânsito em julgado definitivo
da sentença relativa ao estelionato. Não se verifica, portanto, a reincidência.
V. A fixação errada do
regime inicial semi-aberto para cumprimento de pena: como a ré não é
reincidente, faz jus ao regime aberto, conforme disposto no Art. 33, §2º, ‘c’,
do CP.
VI. A possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos:
não sendo, a ré, reincidente, encontram-se presentes os requisitos do Art. 44
do CP. Assim, faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por pena
restritiva de direitos.
Ao final, o examinando deverá
elaborar os seguintes pedidos:
I. Absolvição com base na
atipicidade da conduta;
II. Subsidiariamente, requer-se a
aplicação do § 2º do artigo 155 do CP (furto privilegiado);
II. Caso não reconhecida a
atipicidade, deverá requerer a diminuição da pena pelo afastamento da
circunstância agravante da reincidência;
III. A fixação do regime aberto
para o cumprimento da pena;
IV. A substituição da
pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos
Questão 01:
Enunciado
Carolina foi denunciada pela
prática do delito de estelionato mediante emissão de cheque sem suficiente
provisão de fundos. Narra, a inicial acusatória, que Carolina emitiu o cheque
número 000, contra o Banco ABC S/A, quando efetuou compra no estabelecimento
“X”, que fica na cidade de “Y”. Como a conta corrente de Carolina pertencia à
agência bancária que ficava na cidade vizinha “Z”, a gerência da loja,
objetivando maior rapidez no recebimento, resolveu lá apresentar o cheque,
ocasião em que o título foi devolvido.
Levando em conta que a compra
originária da emissão do cheque sem fundos ocorreu na cidade “Y”, o ministério
público local fez o referido oferecimento da denúncia, a qual foi recebida pelo
juízo da 1ª Vara Criminal da comarca. Tal magistrado, após o recebimento da
inicial acusatória, ordenou a citação da ré, bem como a intimação para
apresentar resposta à acusação.
Nesse sentido,
atento(a) apenas às informações contidas no enunciado, responda de maneira
fundamentada, e levando em conta o entendimento dos Tribunais Superiores, o que
pode ser arguido em favor de Carolina. (Valor: 1,25)
Gabarito comentado
(FGV):
Deve ser arguida
exceção de incompetência com fundamento no Art. 108 do CPP OU Preliminar de
incompetência na resposta à acusação. O estelionato é crime material e se
consuma no local onde ocorreu o efetivo prejuízo econômico. No caso em tela, o
efetivo prejuízo econômico se deu no lugar onde o título foi recusado, ou seja,
na comarca “Z”. Assim, aplica-se o disposto no verbete 521 da Súmula do STF e o
verbete 244 da Súmula do STJ. Consequentemente, deve ser feito pedido de
remessa do feito à comarca “Z”, onde poderão ser ratificados os atos até o
momento praticados, prosseguindo-se na instrução.
Questão
02:
Ricardo é delinquente conhecido
em sua localidade, famoso por praticar delitos contra o patrimônio sem deixar
rastros que pudessem incriminá-lo. Já cansando da impunidade, Wilson, policial
e irmão de uma das vítimas de Ricardo, decide que irá empenhar todos os seus
esforços na busca de uma maneira para prender, em flagrante, o facínora.
Assim, durante meses, se faz
passar por amigo de Ricardo e, com isso, ganhar a confiança deste. Certo dia,
decidido que havia chegada a hora, pergunta se Ricardo poderia ajudá-lo na
próxima empreitada. Wilson diz que elaborou um plano perfeito para assaltar uma
casa lotérica e que bastaria ao amigo seguir as instruções. O plano era o
seguinte: Wilson se faria passar por um cliente da casa lotérica e, percebendo
o melhor momento, daria um sinal para que Ricardo entrasse no referido
estabelecimento e anunciasse o assalto, ocasião em que o ajudaria a render as
pessoas presentes. Confiante nas suas próprias habilidades e empolgado com as
ideias dadas por Wilson, Ricardo aceita. No dia marcado por ambos, Ricardo,
seguindo o roteiro traçado por Wilson, espera o sinal e, tão logo o recebe,
entra na casa lotérica e anuncia o assalto. Todavia, é surpreendido ao
constatar que tanto Wilson quanto todos os “clientes” presentes na casa lotérica
eram policiais disfarçados. Ricardo acaba sendo preso em flagrante, sob os
aplausos da comunidade e dos demais policiais, contentes pelo sucesso do
flagrante. Levado à delegacia, o delegado de plantão imputa a Ricardo a prática
do delito de roubo na modalidade tentada.
Nesse sentido, atento tão somente
às informações contidas no enunciado, responda justificadamente:
A)
Qual a espécie de flagrante sofrido por Ricardo? (Valor: 0,80 )
B) Qual é a melhor tese
defensiva aplicável à situação de Ricardo relativamente à sua responsabilidade
jurídico-penal? (Valor: 0,45 )
Gabarito comentado
(FGV):
A situação narrada
configura hipótese de flagrante preparado (ou provocado). Tal prisão em
flagrante é nula e deve ser imediatamente relaxada, haja vista o fato de ter
sido preparada por um agente provocador, que adotou medidas aptas a impedir por
completo a consumação do crime.
Inclusive, o Verbete 145 da
Súmula do STF disciplina que nas situações como a descrita no enunciado
inexiste crime.
Aplica-se, também, o Art. 17 do
Código Penal: o flagrante preparado constitui hipótese de crime impossível.
Sendo assim, a melhor tese
defensiva aplicável a Ricardo é aquela no sentido de excluir a prática de crime
com base no Verbete 145, da Súmula do STF, e no Art. 17, do Código Penal.
Note-se que o enunciado
da questão deixa claro que busca a melhor tese defensiva no campo
jurídico-penal. Assim, eventuais respostas indicativas de soluções no âmbito
processual (tais como: prisão ilegal que deve ser relaxada), ainda que corretas,
não serão consideradas para efeito de pontuação, haja vista o fato de não
responderem ao questionado.
Questão
03:
Enunciado
Félix, objetivando
matar Paola, tenta desferir-lhe diversas facadas, sem, no entanto, acertar
nenhuma. Ainda na tentativa de atingir a vítima, que continua a esquivar-se dos
golpes, Félix aproveitando-se do fato de que conseguiu segurar Paola pela manga
da camisa, empunha a arma. No momento, então, que Félix movimenta seu braço
para dar o golpe derradeiro, já quase atingindo o corpo da vítima com a faca,
ele opta por não continuar e, em seguida, solta Paola que sai correndo sem ter
sofrido sequer um arranhão, apesar do susto.
Nesse sentido, com
base apenas nos dados fornecidos, poderá Félix ser responsabilizado por
tentativa de homicídio? Justifique. (Valor: 1,25)
Obs.:
A resposta que contenha apenas as expressões “sim” ou “não” não será pontuada,
bem como a mera indicação de artigo legal ou a resposta que apresente teses
contraditórias.
Gabarito comentado (FGV)
O
examinando deve responder que Félix não deve ser responsabilizado por tentativa
de homicídio, pois a hipótese narrada enquadra-se naquela descrita no Art. 15,
do CP, em sua primeira parte, ou seja, trata do instituto da desistência
voluntária. Isso porque, conforme narrado no enunciado, percebe-se que o agente
(Félix), desistiu de prosseguir na execução do delito quando ainda lhe sobrava,
do ponto de vista objetivo, margem de ação. Assim, conforme o dispositivo legal
supracitado, Félix responderia apenas por eventuais atos praticados. Note-se,
entretanto, que os atos praticados pelo agente não traduzem a prática de crime,
razão pela qual Félix não responde por nada.
Questão 04:
Enunciado
Marcos, jovem
inimputável conforme o Art. 26 do CP, foi denunciado pela prática de determinado
crime. Após o regular andamento do feito, o magistrado entendeu por bem aplicar
medida de segurança consistente em internação em hospital psiquiátrico por
período mínimo de 03 (três) anos. Após o cumprimento do período
supramencionado, o advogado de Marcos requer ao juízo de execução que seja
realizado o exame de cessação de periculosidade, requerimento que foi deferido.
É realizada uma rigorosa perícia, e os experts atestam a cura do internado,
opinando, consequentemente, por sua desinternação. O magistrado então,
baseando-se no exame pericial realizado por médicos psiquiatras, exara sentença
determinando a desinternação de Marcos. O Parquet, devidamente intimado da
sentença proferida pelo juízo da execução, interpõe o recurso cabível na
espécie.
A partir do caso
apresentado, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir.
A)
Qual o recurso cabível da sentença proferida pelo magistrado determinando a
desinternação de Marcos? (Valor: 0,75)
B)
Qual o prazo para interposição desse recurso? (Valor: 0,25)
C) A
interposição desse recurso suspende ou não a eficácia da sentença proferida
pelo magistrado? (Valor: 0,25)
Gabarito comentado (FGV)
A) Como se trata de
decisão proferida pelo juiz da execução penal, o recurso cabível é o Agravo,
previsto no Art. 197, da Lei de Execução Penal - 7.210/84.
B) O prazo para a
interposição do recurso é de 05 (cinco) dias, contados da data da publicação da
decisão no D.O., conforme dispõem as Súmulas do STF 699 e 700.
SÚMULA 699
- O PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO, EM PROCESSO PENAL, É DE CINCO DIAS, DE
ACORDO COM A LEI 8038/1990, NÃO SE APLICANDO O DISPOSTO A RESPEITO NAS
ALTERAÇÕES DA LEI 8950/1994 AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
SÚMULA 700 - É DE CINCO DIAS O
PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO DO JUIZ DA EXECUÇÃO PENAL.
C) Via de regra, o recurso de
Agravo em Execução não tem efeito suspensivo, conforme previsão do Art. 197, da
LEP. Todavia, a hipótese tratada no enunciado é a única exceção à regra
supramencionada, i.e., o agravo possui, na hipótese do enunciado, efeito
suspensivo, conforme previsto no Art. 179, da LEP.
Portanto, a
interposição desse recurso suspende a eficácia da sentença.