A decretação da prisão cautelar, com exceção da prisão em
flagrante, deve se sujeitar à prévia e estrita observância dos requisitos
legais, além da excepcionalidade, por tratar-se de medida de cerceamento da
liberdade do indivíduo antes de se ter um posicionamento definitivo a respeito
de seu status jurídico no processo, especialmente diante da possibilidade de se
adotar uma das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do
Código de Processo Penal.
Eventual decisão sem o devido amparo legal pode não só
invalidar a medida constritiva, mas também afigurar-se como verdadeira
antecipação da pena, o que é inadmissível. Antes que possamos tratar
propriamente da prisão preventiva – objeto deste breve estudo – convém traçar
algumas premissas a respeito da natureza da prisão decretada no curso do
processo.
O entendimento moderno a respeito do tema aponta a prisão
processual como verdadeira medida cautelar, tendo em vista a nova Ordem
Constitucional estabelecida a partir de 1988. De fato, com a edição da
Constituição da República, passou-se a privilegiar a liberdade da pessoa, sendo
a prisão providência excepcional, sujeita à verificação de sua absoluta
necessidade. Tal interpretação decorre, basicamente, de dois dispositivos
elencados entre os direitos e garantias fundamentais (art. 5º): “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
(inciso LVII) e “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (inciso LXVI).
Como medida cautelar, impõe-se, para a decretação da prisão
processual, a verificação de dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum
in mora, traduzidos, no caso da prisão, em fumus comissi delicti e periculum
libertatis. Via de regra, o primeiro requisito encontra-se presente quando há
indícios de autoria de determinada infração e prova de sua materialidade. Já o
“perigo na demora”, nos dizeres de Antonio Scarance Fernandes[1], é “o perigo,
o risco de que, com a demora no julgamento, possa o acusado, solto, impedir a
correta solução da causa ou a aplicação da sanção punitiva”. Assim, o que deve
pautar a adoção da prisão cautelar é a indispensabilidade da medida,
evitando-se, desta forma, intolerável antecipação da pena.
No que toca à prisão preventiva, um de seus motivos
autorizadores previstos pelo art. 312 do Código de Processo Penal
particularmente suscita dúvidas quanto à sua aplicação. Trata-se daquele
estampado na parte inicial do dispositivo, ou seja, o que permite a decretação
da prisão como garantia da ordem pública. A dificuldade de interpretação
decorre da subjetividade da expressão, uma vez que não há qualquer parâmetro
legal para defini-la.
Importante destacar, num primeiro momento, que tal requisito
diz respeito a elementos extrínsecos ao processo, ou seja, não busca o motivo
autorizador garantir diretamente o bom andamento da ação em curso. Concordamos
neste ponto com a lição de Weber Martins, citado por Afrânio Silva Jardim[2]:
“a decretação da medida como garantia da ordem pública não tem relação direta
com o processo. Em vez disso, está voltada para a proteção de interesses
estranhos a ele, tem nítidos traços de medida de segurança”.
Dessa forma, a
medida cautelar tendo como base o fundamento em foco busca proteger a
sociedade, a estabilidade de ordem social.
Mas, enfim, quais elementos demonstram que é necessária a
prisão para a garantia da ordem pública? Concordamos com o entendimento de que
o fator que deve autorizar o decreto é a periculosidade do agente, demonstrada
por fatores concretos.
Assim, o acusado do cometimento de um crime que seja
reincidente, dedicado a reiteradas práticas delitivas, via de regra, indica
forte probabilidade de continuar a delinqüir, se solto, pondo em risco a ordem
social.
O fumus comissi delicti, somado ao seu histórico criminoso, são motivos
suficientes para a adoção da medida. Em suma, a norma busca proteger a
sociedade da prática de novos crimes por determinado agente, havendo fundadas
razões para se acreditar nisso.
Têm sido frequentes, contudo, posicionamentos doutrinários e
decisões judiciais no sentido de se admitir a gravidade da infração, o clamor
público provocado pelo crime ou até mesmo a necessidade de conferir
“credibilidade” ao Poder Judiciário como elementos de suporte para a decretação
da prisão preventiva, tendo em vista garantir a ordem pública. Não concordamos
com esses fundamentos.
Quanto à gravidade da infração, temos que todo crime
abala a estabilidade social, uns em maior, outros em menor grau.
A
reprovabilidade à conduta mais gravosa já faz parte do preceito secundário da
norma incriminadora, isto é, vem expressa no montante da pena em abstrato. Além
disso, na hipótese de condenação, pode o Magistrado, no caso concreto, valorar
as circunstâncias presentes no art. 59 do Código Penal, impondo pena mais
severa ao acusado. Nenhuma referência às circunstâncias do crime existe na lei
processual que disciplina a prisão preventiva.
Por seu turno, o clamor público gerado pela prática de
determinado crime, muitas vezes fomentado por setores sensacionalistas da
mídia, também não é suficiente para sustentar o decreto da prisão preventiva.
Não se pode negar que um delito grave causa repercussão social, mormente no
local onde foi perpetrado, porém, decretar a custódia cautelar por tal motivo,
sem que se tenha um provimento jurisdicional definitivo é no mínimo temeroso,
diante da manifesta afronta ao princípio da presunção de inocência (art. 5º,
LVII, CF).
No que tange ao decreto da prisão para “credibilidade” do
Poder Judiciário, sabemos que não é com tal medida que os órgãos jurisdicionais
gozarão de maior respeito perante a sociedade. De fato, a efetiva punição após
o devido processo legal é que deve trazer referida credibilidade. A tão
divulgada “sensação de impunidade” é resultado de investigações muitas vezes
mal feitas, de processos morosos, intermináveis, e de leis processuais em boa
parte obsoletas, não de eventual manutenção da liberdade do acusado.
Os Tribunais Superiores têm reiterado decisões no sentido do
aqui exposto, exigindo motivação idônea e lastreada em elementos concretos
demonstrativos da necessidade da segregação provisória para acautelar a
sociedade, como se verifica na ementa do julgamento do Habeas Corpus nº
91616/RS, relatado pelo culto Ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal
Federal: “A convivência das figuras da prisão cautelar e da presunção da
não-culpabilidade pressupõe que o decreto de prisão esteja embasado em fatos
que denotem a necessidade do cerceio à liberdade de locomoção (...) É ilegal a
prisão preventiva para a garantia da ordem pública, baseada tão-somente na
gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público.
Precedentes“.
Na mesma esteira da citada decisão, os seguintes julgados do STF: HC 87343, HC
89238, HC 90064, HC 91729, HC 92133, HC 92737, HC 93114. No mesmo sentido a
Jurisprudência do STJ: HC 64234, HC 92704, HC 96091, HC 99859, HC 99889, HC
100397.
Não obstante a posição firme das mais altas Cortes do País,
a matéria ainda gera acaloradas discussões, fomentadas pelo grande dilema em que
se traduz o processo penal: a busca do equilíbrio entre o interesse público na
repressão ao delito e a preservação das garantias individuais do acusado.
[1] Processo penal constitucional. 5. ed. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 328
Fonte: Site JusBrasil